Nas horas seguintes a realização do MTV Vídeo Music Awards em 28 de agosto de 2003 em New York, Madonna estava em um vôo para Escócia. Horas antes, ela estava abrindo a premiação com uma performance de “Hollywood” ao lado de Britney Spears e Christina Aguilera.
Madonna estava vestido de noivo, enquanto Spears e Aguilera eram suas noivas. Madonna deu um beijo na boca de cada uma das Popstars no meio da performance. E então foi pra Escócia.
Semanas depois, Madonna estava no programa da Oprah e revelou ter ficado surpresa com toda a atenção que deram ao beijo no VMA.“Eu estava desatenta até esse momento”, ela disse. “Eu não tinha idéia do que estava acontecendo e de toda a atenção que isso causou. Foi só um beijo amigável. Não sei porque as pessoas estão fazendo disso algo tão grandioso.”, ao qual a Oprah respondeu: “Você realmente não sabe?”
Na época, Madonna afirmou que não havia problema em duas garotas se beijarem. Verdade. Mas não era apenas um beijo entre garotas: Era a Rainha do Pop beijando as duas estrelas Pop mais famosas do mundo na época, na frente de centenas de celebridades (e um notável ex namorado) na platéia.
Esse ano marca o aniversário de 20 anos desse momento memorável. MTV, as premiações e a fama por sí só mudaram nesse período, mas “o beijo” continua icônico. Em fato, Spears recriou o beijo com Madonna em uma foto tirada no seu casamento em 2022.
Muitas coisas aconteceram nesse VMA, incluindo o debut solo da Beyoncé e uma participação de Jay Z, com quem existia rumores sobre um eventual romance na época.
“Premiações ganham ou perdem em seus primeiros 5 minutos”, diz o produtor Alex Coletti. “Se você começa uma Premiação com algo morno, provavelmente o show não vai ter atenção. Essa edição do VMA abriu realmente da melhor forma, se tornando uma das melhores premiações que fizemos”.
Coletti produziu o VMAs de 1999 à 2003 e foi produtor executivo da edição de 2004. “Eu não trocaria esse período por nenhum outro na história da MTV”, disse Coletti. “Aquela foi a melhor época pra estar lá”.
Em homenagem aos 20 anos do “beijo”, nós perguntamos Coletti curiosidades sobre o VMA 2003. “Vamos ver o que eu consigo lembrar 20 anos depois”.
POPSUGAR: Olhando pra trás e analisando as premiações, o VMAs era o auge. Vocês se sentiam pressionados a continuar se superando a cada edição?
Alex Coletti: Não acho que nos sentiamos pressionados. Era uma época onde o VMA em particular estava dominando toda a cultura Pop, misturando tudo e oferecendo algo que só nós conseguíamos.
Todo mundo na MTV era criativo, independente do departamento em que trabalhavam. Não havia pressão, ao menos não pra mim, porque nós estávamos num momento maravilhoso da música e de performers.
Quando você olha pra platéia em 2003, você vê o quanto foi incrível. Coisas maravilhosas iam acontecer quando você coloca tanta gente boa em um mesmo lugar.
PS: Descreva alguns dos planos iniciais de como seria o VMAs 2003. Quanto tempo antes vocês já tinham definido que a Madonna ia abrir a Premiação?
AC: Madonna tinha um novo single e CD e era o aniversário de 20 anos da sua estréia no palco do VMA. Existia algo estranho na MTV, especialmente na época, onde você não dava atenção a idade. MTV tinha que ser algo eternamente novo, jovem e criativo. Você não queria ficar limitado a uma geração de pessoas - tinha que ser cultura jovem para todas as idades. A audiência podia mudar de idade, mas não de canal.
Reconhecer os 20 anos de carreira da Madonna era algo que nós realmente conversamos. Como tornar isso grandioso? Qual a balança em trazer algo jovem e relevante no momento com brindar o passado?
Então não tivemos muito a fazer. Nós agendamos a Premiação com a abertura em homenagem a performance de “Like a Virgin” em 1984 em mente. E pro encerramento, o Metallica fazendo um medley de suas músicas mais tocadas na MTV. Nós conseguimos trazer artistas atuais como Christina, Britney e Missy e veteranos com uma roupagem mais atual.
PS: A homenagem a “Like a Virgin” foi idéia da MTV ou da Madonna?
AC: Nós ligamos pra Madonna com a idéia e ela foi bastante receptiva. Quando você fala nos momentos mais icônicos da história do VMAs, essa performance está no topo, ou ao menos estava na época. É engraçado como agora a homenagem àquele momento ultrapassou a original. Nós estávamos dispostos a fazer algo grandioso e memorável. Nós montamos um bolo de casamento enorme e não consigo recordar quantas conversas tivemos sobre o tamanho da estrutura e formas de não atrapalhar a Premiação. Tinha que ser algo que conseguíssemos tirar rapidamente pelo palco e elevadores. Nós mantivemos para usar na entrada do Chris Rock, mas porque não haveria tempo de sumir com aquilo até o primeiro intervalo comercial.
**PS: Em que ponto foi definido que Britney e Christina estariam na performance? E qual foi o motivo por trás disso?
AC: Nós queríamos recriar a abertura, mas sabíamos que não poderíamos ter a Madonna fazendo isso novamente. Então, como você poderia superar isso? Quem é a Madonna dos dias atuais? E na época era Britney e Christina.
Eu amo como a Madonna está vestida de noivo - e como ela subverteu os papéis - porque ela mudou seu papel na performance, então temos Missy saindo após o beijo, vestida de noivo ou padrinho.
Uma vez que definimos como seria, aconteceu sem o acompanhamento da MTV. Elas ensaiaram em LA e então recebemos uma ligação: “O bolo. Qual o tamanho dele?”
Nós sabíamos que seria um medley porque a Madonna tinha um novo single. Reassistindo, foi uma pena que a premiaçao não aconteceu em Los Angeles, porque a música era "Hollywood"e soava um pouco fora do lugar no Radio City em New York. Mas não acho que alguém se importou com isso.
PS: Da forma mais respeitosa possível, acho que a música ficou em segundo plano. Eu aposto que se perguntar as pessoas o que a Madonna cantou naquele ano, eles provavelmente não se lembrarão.
AC: Todo mundo vai jurar que o beijo aconteceu durante “Like a Virgin”, mas não foi. Nós queríamos usar algo atual da Madonna e então a Missy com “Work it”. Christina e Britney não quiseram cantar nenhuma das suas músicas, apesar de claramente elas terem hits no momento.
Foi realmente uma homenagem à Madonna. Mas também foi legal que a Missy teve seu momento dentro disso. Eu me refiro a esse momento como a versão feminina do Mount Rushmore (Montanha que tem esculpido o rosto dos presidentes George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln). Nós tínhamos as quatro unidas no palco e elas eram sem dúvidas quatro das mais famosas cantoras do planeta.
*PS: Jennifer Lopez disse que foi convidada pra performance, mas que não pôde participar por conflitos na agenda e então vocês adicionaram a Christina. Isso é verdade?
AC: Eu não lembro disso, mas não quero dizer que é mentira. Jennifer era parte do universo da MTV em grande proporção, então pode ter havido alguma conversa. Mas acho que a combinação da Britney e Christina, quando você analisa a performance, pareceu a escolha certa.
PS: Pink e Gwen Stefani são alguns dos nomes que dizem ter sido chamadas também.
AC: Eu lembro da Gwen. Mas não foi como se tivéssemos chegado nela e dito, “essa é a idéia da performance”. Nós pensamos em alguns nomes, mas tivemos que perguntar a opinião da Madonna primeiro e ver com quem ela se sentia mais entusiasmada e confortável e então verificar o interesse.
PS: Quando começaram os ensaios, a produção já sabia sobre o beijo ser parte da performance?
AC: Nós estávamos no Radio City em New York enquanto elas ensaiavam em Los Angeles. E então, dois ou três dias antes do show, nós fomos aos ensaios já no palco do VMAs e lembro de ter recebido uma ligação do coreógrafo Jamie King dizendo: “Oi! Como vocês se sentem sobre elas se beijando?” E eu fiquei tipo, “Eu me sinto ótimo, mas deixa eu falar com meus chefes.” Eu fui até a produção e disse: “Então, algo interessante: Britney e Madonna vão se beijar na performance.” e todo mundo ficou, “OK”.
PS: E não houve pressão do canal?
AC: Nós éramos a MTV. A coisa legal sobre as premiações da MTV é que tinhamos autonomia pra fazer o que quiséssemos. Nós decidiamos que linhas cruzar e não acho que existia outra Premiação que fosse assim.
PS: Vocês imaginavam que esse momento ia causar tamanha comoção midiática?
AC: Não. O que causou toda essa atenção foi a platéia. A reação do Justin Timberlake. Dos caras do “Queer Eye”. A brilhante direção da nossa diretora, Beth McCarthy-Miller, que conseguiu capturar ao vivo todos os momentos certos e saber exatamente como seriam essas reações. O beijo foi um momento viral - antes mesmo desse termo existir - porque o público foi o responsável.
Ela percebeu que na platéia estavam os integrantes do “Queer Eye” de pé vibrando e manteve a câmera neles. Obviamente o Justin, que por causa da sua relação com Britney, faria desse momento algo interessante de ver. Foi quase como se ele soubesse, porque ele ficava levantando a sobrancelha enquanto assistia a performance. Ele faz umas caretas para câmera antes do beijo e então fica verdadeiramente surpreso com o que acontece.
PS: A atenção ao Justin ofuscou o beijo da Christina. Vocês se sentiram culpados por isso?
AC: Aconteceu tão rápido que eu me senti mal pela Christina e ela arrasou. Tipo, ela é a Christina, certo? Mas sim, não deram atenção a ela e sempre me sinto mal sobre isso. Ela se apresentou logo depois em uma música solo e talvez estava magoada, mas eu duvido. É um evento ao vivo e as coisas acontecem muito rápido.
PS: Qual era a energia entre a equipe de produção?
AC: Nós reagimos da mesma forma que os caras do “Queer Eye” na platéia. Estávamos todos de pé, sorrindo e tendo o momento das nossas vidas na sala de produção, porque tudo estava indo tão bem.
Quando você está ao vivo em uma Premiação como essa, existe um alívio imenso quando tudo vai ao ar. Nós organizamos tudo por um ano e as coisas aconteceram de forma tranquila. Não foi como o momento da Janet Jackson no SuperBowl, que foi um erro (Coletti também foi produtor da performance da Janet Jackson no SuperBowl 2004). Aconteceu tudo como foi ensaiado.
PS: Que tipo de posicionamento a Madonna estava tentando dar com o beijo?
AC: Olha, acho que ela estava só promovendo seu novo single. Era importante pra ela ter esse momento enquanto estava tocando “Hollywood”. Eu não quero supor nada sobre a Madonna, mas acho que ela estava apenas fazendo o que faz de melhor que é se divertir e ultrapassar barreiras.
**PS: Nós falamos sobre a Christina ter sido ofuscada, mas também é fácil esquecer que nesse mesmo show tivemos Beyonce e Jay Z juntos no palco cantando “Crazy in Love”.
AC: Oh meu Deus. Aquela performance é uma das minhas favoritas de todas! Acho que foi ao ar no meio da Premiação. Foi ao ar por volta das 9:30 ou algo do tipo. Esse era o plano: Vai ser o ponto alto do show.
PS: Houve performers incomodados em serem ofuscados pelo “Beijo”?
AC: Acho que nenhum performer chegou a ver a performance até acontecer. Todo mundo tinha algo nas mangas. Todos fizeram um excelente trabalho.
Sem ver a reação da platéia ao beijo, era apenas parte de uma coreografia. Lembre, Madonna rolou no chão na primeira vez que fez isso. Nada era mais chocante do que isso. Em fato, foi algo comedido.
PS: A performance original de “Like a Virgin” ainda é provocativa
AC: Aquela performance definiu por anos o que as performances do VMAs podiam trazer em limites de criatividade e provocação. Acho que foi uma celebração a esse momento. Foi um bom dia para MTV.
PS: O que você lembra sobre a reação do grande público e da imprensa nos dias seguintes a Premiação? ?
AC: Não lembro de críticas negativas. Eu produzi o Super Bow com a Janet, então se você comparar essas experiências… Não houve qualquer efeito negativo. Nós estávamos nos sentindo bem sobre o que aconteceu no palco.
Eu penso na Christina e me sinto mal por ela. Nós nos sentimos mal por isso. Nós nunca queremos que um artista saia da Premiação não se sentindo bem sobre o que eles apresentaram, mas ela tinha sua performance solo na mesma noite e acho que ela foi muito bem. Espero que tenha sido uma ótima experiência pra ela.
PS: Se o beijo acontecesse agora, em 2023, como você acha que seria a reação das pessoas?
AC: Hoje em dia é mais difícil chocar as pessoas. Eu não acho que teria tanta atenção, sendo bem sincero.
PS: Eu assisto e cubro praticamente todas as Premiações e ainda procuro por momentos como esse, mas parece que os prêmios se tornaram chatos, perderam a “excitação”. O que você acha que aconteceu?
AC: O acesso as estrelas mudou. Na época, uma Premiação era a única forma de você ver uma celebridade, especialmente se fosse ator ou atriz. Com a internet, nós sabemos tudo sobre as celebridades.
PS: Você esteve atento a tudo o que aconteceu no movimento #FreeBritney??
AC: Britney é alguém com quem eu não conversei muito, mas um momento que eu sempre lembrarei é de estar ao seu lado atrás das cortinas no Radio City. Alguém colocou uma python enorme nos seus ombros e eu testemunhei nos ensaios o medo que ela estava. Eu disse: “Está tudo bem pra você? Tem certeza que quer fazer isso?” e ela disse: “Sim, eu consigo” e eu fiquei tipo “Caramba”.
Fiquei muito impressionado com seu profissionalismo e quando olho pra o momento que ela teve com a Madonna em 2003 - sua voz, dança - Ela é uma artista no controle.
Em 2003, eu não tinha idéia de todos os problemas que ela passava. Ao ver os documentários eu me senti horrível pela forma com a qual ela era tratada. Eu estou muito feliz que ela está bem agora.