As mulheres do K-drama e o feminismo sul-coreano


O K-drama mais assistido na Coreia do Sul em 2022 foi “Uma advogada extraordinária”
Foto: Divulgação/Netflix

Cultura popular exportada da Coreia do Sul trouxe um entretenimento fresco, aparentemente despretensioso - mas é só aparentemente

26 out
2023

  • 05h00
    (atualizado às 08h59)

Os dramas sul-coreanos são a sensação global há tempos, que assim como o K-pop são frutos do investimento do país na cultura popular como alavanca econômica em um momento de crise, nos idos da década de 1990.

Para nós, ocidentais, a cultura popular exportada da Coreia do Sul trouxe um entretenimento fresco, aparentemente despretensioso, sobretudo com os dramas, que se popularizam pelas histórias contadas com foco na qualidade narrativa e na ostentação positiva do patriotismo deles, e não exatamente em mensagens adjacentes sobre temas atuais do ocidente. Os doramas asiáticos em geral, digamos assim, sejam os dramas coreanos, japoneses ou chineses, parecem ter uma certa preocupação em não cansar o espectador com a massificação de assuntos, ainda que haja pouca variação no formato oferecido.

Mas, ao contrário dos que torcem o nariz dizem, não dá para dizer que seja um entretenimento puramente disperso dos assuntos principais de seu tempo ou que ao menos os K-dramas sejam completamente isentos das questões sociais mais proeminentes.

Não podemos esquecer que os doramas fazem parte de um impulsionamento da cultura popular, especialmente na Coreia do Sul e, portanto, com intenção política e econômica bem demarcada por trás de todo glamour saltitante do K-Pop ou dos belos casais dos K-dramas. Há, sim, intenções colocadas de maneira estratégicas, sobretudo no que diz respeito ao debate sobre gênero. Até porque a Coreia do Sul, embora ainda que seja arraigada às tradições e bastante etnocêntrica, especialmente na cultura e política, podemos dizer que atualmente é um dos países mais ocidentalizados da Ásia. Daí entra em cena o feminismo como um dos resultados dessa ocidentalização.

É bom destacar que ser uma feminista na Coreia do Sul é bastante complexo e tão perigoso quanto em qualquer lugar do mundo, dada a alta e pública exclusão e rejeição que o feminismo sofre no país.

Exemplo importante e recente da ação estrutural do machismo na Coreia do Sul, que é essencialmente tradicionalista e de cultura evidentemente patriarcal, foram as últimas eleições. A ascensão e vitória do presidente eleito, Yoon Suk Yeol, foi uma ofensiva ou um contra-ataque ao sucesso do movimento “me too” no país, um dos mais expressivos da Ásia, que denunciou abusos até então inconfessáveis pelas mulheres coreanas e derrubou proeminentes figuras masculinas da sociedade, incluindo o prefeito de Busan, a segunda maior cidade da Coreia do Sul, acusado de assédio sexual.

O atual presidente é declaradamente antifeminista e uma de suas primeiras medidas foi propor a extinção do Ministério da Igualdade de Género e da Família, o que acabou levando centenas de mulheres a protestarem nas ruas de Seul, Gwangju e Busan em setembro de 2022.

A principal tática de combate ao feminismo por lá tem sido a distorção de que trata-se de um movimento misândrico ou de ódio e eliminação dos homens.

Por isso, as táticas feministas têm trilhado um caminho espontâneo e altamente eficiente, focado na imagem muito mais do que na reverberação direta das pautas, como se vê no ocidente.

Isso significa que, até pelas características da própria sociedade sul-coreana, as lutas aparentam ser menos radicais (no sentido do enfrentamento direto) e mais estratégicas e subjetivas, contando com uma discreta revolução comportamental da juventude como principal aliada.

Nesse sentido, os K-dramas estão nadando de braçada, com uma incursão silenciosa e eficiente que vem dando uma verdadeira guinada na representação das mulheres nas TVs sul-coreanas.

De acordo com a KBS, principal emissora de televisão do país, por exemplo, em 2021, o protagonismo dos principais doramas da programação eram mulheres, ou seja, mais de 53% dos personagens femininos, um sensível aumento em relação à média de 2016 que era de 49,8%. Segundo a CNN, nas demais redes do país, o número foi de cerca de 40% entre 2017 e 2020.

O K-drama mais assistido na Coreia do Sul em 2022 foi “Uma advogada extraordinária”, exibido aqui pela Netflix e que conta a história de uma jovem autista e os dilemas que enfrenta na vida adulta enquanto brilha em um dos principais escritórios de advocacia do país. Uma mulher que é destaque na profissão e no coração das pessoas.

E o que dizer da heroína de “Pousando no amor”, a executiva Yoon Se-ri (vivida pela belíssima Son Ye-jin) que pousa acidentalmente na Coreia do Norte e se apaixona pelo belo Capitão Ri (interpretado por Hyun Bin) derrubando a tradição do protagonismo masculino em lugar de poder que é bastante abundante nos dramas.

O apelo emotivo e romântico dos K-dramas não colocam a mulher como submissa e passiva diante do desejo de amar. Muito pelo contrário, como podemos ver em outro grande sucesso, Itaewon Class, que traz Oh Soo-Ah (Kwon Nara), uma mulher que renuncia ao amor porque acredita que precisa construir sua segurança profissional e econômica e afirma abertamente que é a pessoa mais importante de sua própria vida, e a destemida e arrogante Cho Yi-seo (Kim Dami) que, ao invés de ser escolhida e conquistada pelo mocinho da trama, o escolhe e conquista lutando ao lado dele pela ascensão de ambos.

Por fim, tenho que destacar as anti-heroínas Choi Ae Ra (Kim Ji-won) e Seol Hee (Song Ha-yoon) ambas protagonistas dos casais de “Lutando pelo meu caminho”. Uma é completamente descontraída e totalmente fora do estereótipo “bela/recatada e do lar, como as protagonistas costumam ser tratadas, e a outra é o próprio estereótipo de feminilidade submissa e inocente que acaba dando uma guinada na vida quando descobre uma infidelidade do namorado.

É bem verdade que não se pode atribuir pura e unicamente ao feminismo a ascensão das protagonistas femininas nos K-dramas, pois há vários fatores que também vêm atuando nessa guinada. Mas, com toda certeza, esse protagonismo feminino, evidenciado em meio a histórias emotivas e populares, tem feito um trabalho empoderador pelo viés da imagem, autoestima e psiquê da população sul-coreana, sobretudo dos jovens. E o feminismo tem, sim, uma grande fatia de responsabilidade direta e indireta nesses novos tempos do entretenimento do país e de das adjacências, como a Índia, por exemplo.

@Dorameiros

1 curtida

Nem parece que se você fala de feminismo toma um blacklist da industria

te amo advogada te amo

Vontade de colocar ela num potinho

1 curtida

eu acho até um milagre uma série como Stron Girl Bong Soon que foi um sucesso e Strong Girl Nam Soon está indo bem

Pq se for parar para analisar as mulheres são bem empoderadas…
o que coreano odeia

acho que o uso do humor deve ajudar