Os primeiros dados do Censo 2022 dão certo alívio para Globo, criticada por investir em três novelas rurais em apenas dois anos no horário nobre. A emissora antecipou uma tendência apontada pela pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) --de que a população está migrando dos grandes centros urbanos rumo ao interior. Os números, porém, impõem um desafio: essa audiência é politicamente arredia aos produtos da casa.
Não foi à toa que o Centro-Oeste serviu de cenário para duas das três tramas: Pantanal (2022) e Terra e Paixão, ambas ambientadas no Mato Grosso do Sul. A região cresce a uma média anual de 1,2%, mais do que o dobro da média nacional (0,52%), impulsionada pelo dinheiro das commodities.
O próprio folhetim de Walcyr Carrasco já fez diversos acenos ao agronegócio, até limpando a barra para um dos setores mais intimamente ligados ao desmatamento e à crise hídrica. Caio (Cauã Reymond), por exemplo, não se cansa de falar dos tais bons produtores --os responsáveis por colocar comida na mesa dos brasileiros.
A declaração é questionável, não só porque a soja não está na base da alimentação dos brasileiros, mas porque é a agricultura familiar --e não o agronegócio-- que produz 70% dos alimentos consumidos internamente.
Contudo, o discurso é fundamental para entender o porquê de a Globo insistir em manter o remake de Renascer logo após Terra e Paixão. Se por um lado a emissora se arrisca ao produzir histórias com temas bastantes semelhantes, ela mantém boas relações não só com o principal setor produtivo do país, mas também buscando fidelizar o público que surge no entorno das plantações.
Irandhir Santos e Renato Góes em Pantanal
País partido
A principal dor de cabeça para a Globo é que o Centro-Oeste também se converteu em um dos principais territórios da extrema-direita nas últimas eleições presidenciais. Jair Bolsonaro (PL) venceu com considerável folga Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos Estados da região no segundo turno: 58,71% em Goiás; 58,81% no Distrito Federal; 59,49% no Mato Grosso do Sul; e 65,08% no Mato Grosso.
Bolsonaro, aliás, travou uma queda de braço com a rede dos Marinho durante os quatro anos do seu mandato. Ele frequentemente desqualificava o Jornalismo da emissora, e os seus apoiadores apontavam os produtos do Entretenimento como “degenerados” --sobretudo as novelas.
A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em tornar o ex-presidente inelegível até 2030 pode até dar um respiro para as ambições da Globo na região. O estrago, contudo, já foi feito.
O avanço das religiões evangélicas, que já representam 26,8% da população no Centro-Oeste, também pesa na balança. Recentemente, a direção da emissora mandou diminuir o destaque a tramas LGBTQIA+ em tramas como Vai na Fé e Amor Perfeito.
Antonio Fagundes e Adriana Esteves em Renascer
Cinturão do agro
Renascer até mantém os esforços da Globo dentro do agronegócio, que já avança sobre o gosto do brasileiro, bancando nomes como Ana Castela --que canta a abertura de Terra e Paixão-- no topo das paradas. O foco, porém, também se desloca para novos cinturões do agro no Norte e no Nordeste.
O folhetim de Benedito Ruy Barbosa se passa na região cacaueira da Bahia, que hoje se destaca por outro produto. Trata-se do algodão, produto que transformou Luis Eduardo Magalhães em uma das cidades que mais cresceu em termos populacionais nos últimos 12 anos.
O Norte, porém, ainda permanece com uma fronteira um tanto inexplorada pelo horário nobre, apesar do “boom” populacional de Manaus ou de Parauapebas ¶. A última novela das nove a se passar por lá foi O Outro lado do Paraíso (2017), ambientada no Tocantins.