Seca agravada pelo El Niño provoca 'engarrafamento' de navios no Canal do Panamá

NECESSIDADE DE ECONOMIZAR ÁGUA QUE PASSA PELAS ECLUSAS PROVOCOU REDUÇÃO NA CAPACIDADE E NO FLUXO DE EMBARCAÇÕES

Vídeo que circula nas redes sociais mostra o que seriam navios aguardando para cruzar o Canal do Panamá, na semana passada

Uma seca extrema provocou a redução do fluxo e no volume de cargas para os navios que cruzam o Canal do Panamá, uma das principais rotas comerciais do mundo por onde passam quase 6% do comércio marítimo global. Na sexta-feira, havia um congestionamento em torno de duas centenas de embarcações para cruzar o canal, que teve uma redução drástica no volume de água com a mudança no regime de chuvas provocada pelo fenômeno El Niño, segundo a rede de TV ABC News. Especialistas temem que este possa se tornar o novo normal para a região, com impactos na logística industrial e nos preços dos alimentos.

Nesta segunda-feira, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, compartilhou no X (ex-Twitter) um vídeo que mostra o que seriam imagens aéreas de dezenas de embarcações aguardando autorização para cruzar o canal, na semana passada. Petro foi criticado por internautas por dizer que o canal estaria fechado, o que não ocorreu.

Desde o início do ano, a administração do Canal vem diminuindo o “calado” permitido, que é a distância da lâmina d’água até a quilha do navio, em um corte total que chega a dois metros de profundidade a menos. Alguns navios enfrentam atrasos de mais de vinte dias, segundo a agência de notícias Reuters.

— A grande desvantagem que tem o Canal do Panamá, como rota marítima é o fato de que nós operamos com água doce, enquanto as outras rotas [como o Canal de Suez] utilizam água do mar — disse o administrador do canal, Ricaurte Vásquez, em entrevista no início do mês.

Mais de 14 mil navios cruzaram o canal em 2022. O fluxo diário caiu de 40 em média para 32 por dia, do ano passado para hoje, com a intenção de economizar a água que move as embarcações nas eclusas. Por cada uma delas, são lançados 200 milhões de litros no mar.

— Temos que encontrar soluções para poder continuarmos sendo uma rota relevante para o serviço do comércio internacional. Se não nos adaptamos, então vamos morrer. A severidade desta crise é atípica, muito alta. Assim vamos pensar que nós, daqui até 30 de setembro do próximo ano, devemos estar operando com restrições de calado — indicou Vásquez

De acordo com a Reuters, os porta-contêineres são os usuários mais comuns do Canal e transportam mais de 40% dos bens de consumo comercializados entre o nordeste da Ásia e a costa leste dos Estados Unidos. Entre os navios presos no gargalo, nos últimos dias, havia carregamentos de bonecas Barbie, autopeças, painéis solares, entre outras mercadorias com destino ao mercado americano. Alguns especialistas temem aumento nos preços de produtos para o consumidor nos EUA, por conta da crise hídrica.

As restrições no canal começaram no início deste ano, afetando cerca de 170 países e praticamente todos os tipos de mercadorias - incluindo soja e gás natural liquefeito dos Estados Unidos, cobre e cerejas frescas do Chile e carne bovina do Brasil, informou a Reuters. Algumas empresas de energia estão redirecionando embarcações carregadas de carvão e gás natural liquefeito para o Canal de Suez.

O Canal do Panamá, inaugurado pelos Estados Unidos em 1914, e controlado pelo Panamá desde 31 de dezembro de 1999, tem como principais usuários os Estados Unidos, a China, o Japão e o Chile. Como alternativa, alguns navios vem descarregando centenas de contêineres no porto de Balboa, no Pacífico, e voltam a carregá-los em Colón, no Caribe, após a travessia. Os contêineres são levados por trem de uma costa a outra do Panamá, o que implica em demora, mas não necessariamente em maior custo, porque há redução no pagamento de pedágio por conta da carga mais leve.

Vásquez admite ainda que, se a seca se prolongar e o limite de calado aumentar, o canal corre o risco de perder clientes, porque as empresas podem optar por outras rotas.

— Mas acreditamos que se encontrarmos uma solução relativamente cedo, não necessariamente que se construa imediatamente [a solução], mas que o mercado saiba que efetivamente algo está sendo feito, isso deve aliviar a preocupação de longo prazo — defende.