Poucos nomes dentro da Globo entendem tão bem a faixa das sete quanto Rosane Svartman. Ainda assim, até ela parece ter perdido o ponto com Dona de Mim. O folhetim caminha para se tornar uma exceção na trajetória da autora --marcada justamente por tratar temas densos com leveza, na medida certa para o horário. Desta vez, porém, o drama pesou tanto que o telespectador tem a sensação de estar vendo um programa policial.
A escritora, que até então sempre soube dosar muito bem o grau de desconforto dentro das suas histórias, aparentemente perdeu a mão. A impressão de quem assistiu aos últimos capítulos é de que a produção abraçou de vez o “mundo cão”.
Assistir a Dona de Mim hoje é quase como não ter intervalo entre o assalto exibido no telejornal local e os desdobramentos da Guerra da Ucrânia no Jornal Nacional. A novela até pode e deve tirar o público da sua “zona de conforto” --mas não precisava empurrá-lo direto para uma “zona de guerra”.
Em questão de minutos, a história vai de Jaques (Marcello Novaes) abusando psicologicamente de Felipa (Cláudia Abreu) com o apoio da mãe dela, Isabela (Sylvia Bandeira); ao fantasma de Abel (Tony Ramos) voltando para exigir a sua vingança tal qual Hamlet; às peças fabricadas com trabalho escravo que colocaram Samuel (Juan Paiva) num dilema na fábrica da família.
A briga pela guarda de Sofia (Elis Cabral) também está um tom acima e deve ficar ainda mais controversa com a decisão de Leo (Clara Moneke) de abrir mão dos seus sonhos profissionais --ainda mais agora que está prestes a realizá-los-- para voltar a ser babá. Algo que ganha ainda mais valor simbólico por se tratar de uma mulher negra.
A principal falha de Dona de Mim é justamente a dosagem com que aborda essas questões. O folhetim tinha ido tão bem e se mostrado bastante sensível com o arco sobre o abuso sofrido por Kami (Giovanna Lancellotti) e, de repente, acabou se perdendo novamente num dramalhão sem fim.
Esse defeito pesa ainda mais quando Rosane simplesmente escreveu uma novela cujo tema central era… a própria morte. Bom Sucesso (2019) pegou um assunto que parecia impossível de ser abordado às sete da noite e o colocou para ser discutido na mesa das famílias durante o jantar --e com uma sensibilidade poucas vezes vista na TV brasileira.
Bom Sucesso tinha até temas mais espinhosos do que Dona de Mim, como o aborto sofrido por Nana (Fabiula Nascimento), racismo, drogas, violência urbana, bullying. A história conseguia tirar o espectador da zona de conforto, colocá-lo para pensar, mas sem assustá-lo, afastá-lo.
No fim das contas, Dona de Mim parece ter se esquecido de que a força das novelas das sete sempre esteve em equilibrar emoção e escapismo. O público quer se ver nas histórias, mas também precisa respirar entre uma dor e outra.
Rosane Svartman já provou que sabe fazer isso como ninguém --e talvez ainda tenha tempo de se lembrar que, no horário das sete, a melhor catarse é aquela que vem com um sorriso, não com um nó na garganta.
Dona de Mim é ambientada em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. O folhetim conta com direção artística de Allan Fiterman. No elenco, estão Clara Moneke, Tony Ramos, Juan Paiva, Rafael Vitti e Cláudia Abreu, entre outros nomes.
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