‘Fakenudes’: nova ameaça virtual na eleição, prática criminosa já foi usada contra ao menos cinco candidatas
Especialistas apontam tentativa de tirar a credibilidade de mulheres que disputam cargos de prefeitas ou vereadoras
A deputada federal Tabata Amaral (PSB), candidata a prefeita de São Paulo, apresentou notícia-crime à Justiça Eleitoral após serem divulgadas na internet fotos manipuladas por inteligência artificial (IA) nas quais aparece em poses sensuais. A prática criminosa, conhecida como fakenude, já foi usada desde o início da campanha eleitoral contra ao menos cinco candidatas. Especialistas apontam tentativa de tirar a credibilidade de mulheres que disputam cargos de prefeitas ou vereadoras.
Procurada, a campanha de Tabata afirmou que o ato é “mais uma forma de violência política de gênero que deve ser repudiada e enfrentada”. A também candidata à prefeitura de São Paulo Marina Helena (Novo) teve, da mesma forma, imagens falsas e de teor pornográfico espalhadas em sites eróticos. Ela afirma que esses conteúdos visam a manchar sua reputação.
A deepfake utiliza IA para copiar vozes e rostos e simular falas e ações de pessoas, dificultando a distinção entre o real e o falso. Nas fakenudes, a técnica é utilizada para produzir conteúdo falso de cunho erótico. As mulheres são as mais prejudicadas.
— Pesquisas mostram que o principal impacto do uso de conteúdos falsos sobre mulheres candidatas é o afastamento delas da política, o que impacta diretamente na desigualdade de representação e intensifica um contexto de desigualdade de gênero, num efeito de bola de neve — diz Marie Santini, diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (Netlab) da UFRJ.
TSE altera resolução
Em fevereiro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) alterou a resolução sobre propaganda eleitoral, incluindo artigos específicos voltados à inteligência artificial. O texto exige transparência e a utilização de marcas d’água para identificar o uso de IA na criação das peças, e proíbe material que possa descontextualizar, manipular ou desinformar.
A regra, no entanto, não bastou para barrar os ataques. Em 16 de agosto, data em que foi iniciada oficialmente a campanha eleitoral, a candidata a prefeita de Taubaté (SP) Loreny Caetano (Solidariedade) procurou a Polícia Federal para denunciar ter sido mais uma vítima do crime.
— É um absurdo alterar a foto das pessoas e tentar diminuir uma mulher, deixando ela sem roupa, uma exposição na tentativa de diminuir a nossa capacidade — protestou em vídeo nas redes sociais.
Três dias depois, a prefeita de Bauru (SP) e candidata à reeleição Suéllen Rosim (PSD) registrou boletim de ocorrência pelo mesmo crime. Segundo a denúncia, a foto circulava pelo WhatsApp com a mensagem “encaminhada com frequência”.
No Rio, a candidata a vereadora Letícia Arsenio (Podemos) foi alertada por um apoiador que viu imagens dela nua publicadas em um site adulto, e com seu número de urna.
Para a advogada Luciana Nepomuceno, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, a fakenude pode caracterizar crime eleitoral.
— Trata-se de mecanismo cruel para afetar e descredibilizar a imagem da mulher enquanto liderança feminina e política. A conduta pode configurar abuso de poder, devido à divulgação nos meios de comunicação, e também um crime eleitoral — afirma.
O Brasil ainda não tem leis que criminalizam o deepfake. O que existe são projetos em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado que tentam respaldar as vítimas desses ataques. Um deles, proposto pelo deputado Fred Linhares (Republicanos-DF), tipifica penalmente a alteração de fotos, vídeos e som com o uso de IA para praticar violência contra a mulher. O PL, que aguarda análise, prevê pena de reclusão de um a dois anos e multa.
Outro projeto quer alterar o Código Penal para que os crimes de estupro e de estupro de vulnerável também sejam punidos se praticados ”na modalidade virtual”.
— A prática do estupro virtual, embora não envolva o contato físico direto entre o agressor e a vítima, é uma evidente forma de violação sexual que causa danos psicológicos profundos e irreparáveis — argumenta o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), autor do PL.
Em abril, o Reino Unido aprovou uma nova legislação que criminaliza a criação de conteúdo sexual com uso de deepfake, ainda que o autor não tenha intenção de compartilhar as imagens. Antes da mudança legislativa, a lei se restringia a criminalizar a distribuição de imagens íntimas não consensuais — verdadeiras ou não. Aqueles que forem condenados responderão por criação de pornografia deepfake com registro criminal e multa. Se o conteúdo for compartilhado, a condenação será maior, podendo chegar à prisão.
Nos EUA, movimentos reivindicam por uma lei federal que criminalize o ato. Atualmente, somente alguns estados têm legislações sobre o tema.