As cuidadoras Gerluce (Sophie Charlotte) e Claudia (Lorrana Moussinho) pedem para não lhe pagarem com pix, porque estão devendo no cheque especial e o dinheiro transferido iria para o banco, não para elas. Júnior (Guthierry Sotero) e Gerluce pegam dois ônibus para chegar ao trabalho.
O policial Paulinho (Rômulo Estrela) se oferece para pagar o café da manhã da vizinha garota de programa que teve uma noite ruim de trabalho. Não é difícil ver em “Três Graças” (Globo) inúmeros elementos que fazem boa parte do público da novela se identificar.
Boa parte do mérito vai para Aguinaldo Silva, um autor que já escreveu bandidos, bicheiros, donas de bordel, moradores de rua, garis e por aí vai. Ao contrário dos autores da novela anterior, que passavam a impressão de nunca ter pesquisado onde mora a empregada doméstica, Aguinaldo sabe o que engaja o espectador médio da TV aberta –vale lembrar que esse engajamento não é exatamente o mesmo que rola nas redes.
Outro bom exemplo foi a cena em que Kátia (Luciana Paes) arma o maior barraco dentro do ônibus ao flagrar o marido, o motorista Gilmar (Amaury Lorenzo), paquerando Gerluce. Como reza a boa e velha cartilha machista dos folhetins, Kátia solta os cachorros para cima de Gerluce, em vez de focar sua raiva no marido adúltero. Detalhe maior: os passageiros do ônibus não tentam por um segundo apartar a briga. Pelo contrário: querem sangue e a punição da pobre Gerluce, que acaba ejetada para fora do ônibus.
A cena em si poderia ser problemática, mas Aguinaldo e seus coautores surpreenderam alguns capítulos depois. Contra todas as expectativas, Kátia procurou Gerluce para uma conversa amistosa, franca e cheia de sororidade: contou que o marido “não a procura” há dez meses; entendeu que o problema está dentro do casamento e não na amante; e ouviu de Gerluce a promessa de que ela não quer saber de homem casado.
Outro ponto de “Três Graças” que atrai a simpatia do público é a solidariedade entre os moradores da fictícia favela da Chacrinha. Nos últimos capítulos, o velório de Albano (Cosme dos Santos), pai de Júnior e mais uma vítima dos remédios-placebo de Ferette (Murilo Benício), mostrou a união dos moradores, dispostos a ajudar com dinheiro para a cerimônia e o que mais fosse necessário. No fim, o traficante Bagdá (Xamã) mostrou seu poder pagando as despesas.
Aos temas populares, soma-se o antigo talento de Aguinaldo para criar personagens de fácil leitura para quem não está muito interessado em ligar na Globo às 21h para ver pessoas complexas. Desde ao menos “Senhora do Destino”, ele usa a mesma fórmula para criar suas vilãs.
Nazaré, Teresa Cristina de “Fina Estampa” e agora a Arminda de Grazi Massafera parecem todas filhas da Cruella de “101 Dálmatas”: malvadas de histórias em quadrinhos, que mais divertem do que assustam, cobaias de teste de frases icônicas com potencial de gerar memes. Arminda não tenta nem por um segundo disfarçar que é má, o que cansa um pouco quem espera o mínimo de sutileza –só a melhor amiga traída Zenilda (Andréia Horta) não é capaz de perceber.
De qualquer forma, com personagens envolventes e situações fáceis de identificar –seja na vida cotidiana ou em novelas anteriores–, não está sendo difícil para “Três Graças” cair nas graças do grande público.