B*TCH BETTER HAVE MY MONEY: Fundo Amazônia recebeu apenas 3% do valor prometido pelos países ricos esse ano

Reativado após quatro anos de congelamento na gestão passada, o Fundo Amazônia recebeu R$ 105 milhões em 2023, pouco mais de 3% do que foi anunciado em novas doações. No total, foram prometidos R$ 3,3 bilhões pela União Europeia e por países como Estados Unidos, Alemanha e Dinamarca individualmente. Os dados são do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão dos recursos.

O Fundo Amazônia reúne dinheiro doado por governos estrangeiros para ser investido em projetos de prevenção, combate ao desmatamento, conservação e uso sustentável da floresta. As doações ao fundo gerido pelo BNDES são concretizadas apenas mediante a confirmação da redução da destruição do bioma.
A reativação do mecanismo, após os anos de paralisação sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), e os eventos extremos, como a seca que atinge a Amazônia, levantam a questão se as doações entram e são liberadas para os projetos na forma e na velocidade em que a devastação da floresta e a crise climática exigem. Também pressiona ainda mais o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a apresentar resultados efetivos na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP-28, que será realizada a partir desta semana em Dubai.
Apesar do volume significativo de recursos anunciados neste ano, a transferência desses valores passa por trâmites no Brasil e nos países doadores. Os Estados Unidos, por exemplo, anunciaram U$ 500 milhões para o fundo, o equivalente a R$ 2,4 bilhões.

O anúncio foi feito pelo presidente americano, do partido Democrata, Joe Biden, em abril durante o Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima. A transferência desse valor e de outros com a mesma finalidade, no entanto, são condicionados à anuência do Congresso americano, controlado pelos Republicanos.

Segundo a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, que acompanha as ações do fundo desde sua criação, além dos ritos internos de cada país para a efetivação da doação, é preciso lembrar que esses aportes apenas se concretizam se o Brasil fizer seu dever de casa. “Em geral, as doações estão atreladas a resultados na queda do desmatamento. Então, os países são interessados nisso, nos dados de queda que seriam apresentados, e que efetivamente foram, a taxa do Prodes”, afirma.

Desde o início da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o primeiro resultado consolidado das taxas de desmatamento medida pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, foi divulgado no começo deste mês. O desmatamento na floresta amazônica caiu 22,3% em um ano, segundo dados apresentados pelo Ministério do Meio Ambiente.

A perda de cobertura vegetal é mapeada por meio de satélites e a contagem da taxa de desmatamento sempre é feita de agosto de um ano até julho do ano seguinte. O balanço compreende o período entre agosto de 2022 e julho deste ano.

No total, foram desmatados no bioma 9.001 km² nestes 12 meses. É a primeira vez desde 2019 que a taxa de desmate fica abaixo de 10 mil km². “Isso é uma garantia para esses países também quando falam com seus contribuintes”, afirma Natalie.

De acordo com a avaliação mais recente, as novas doações de recursos para o Fundo Amazônia anunciadas neste ano estão na seguinte situação:

  • Anunciado, formalizado e já chegou (internalizado):
  • Alemanha: R$ 105 milhões
  • Já formalizadas, mas ainda não chegou
  • Suíça: R$ 30 milhões
  • EUA: R$ 15 milhões
  • Alemanha: R$ 78,7 milhões - restante do total anunciado pelo país neste ano.
  • Anunciado, mas ainda em processo de negociação:
  • EUA: R$ 2,450 bilhões
  • Reino Unido: R$ 481,544 milhões
  • União Europeia: R$ 105 milhões
  • Dinamarca: R$ 70,4 milhões

Crédito contra incêndios

Os incêndios deste ano, intensificados pelo El Niño mais forte desde 1997 e pelo aquecimento global, levaram o próprio governo a recorrer ao Fundo Amazônia para apagar o fogo que consumiu grandes partes da floresta, além de levar fumaça a cidades como Manaus. “O Ibama deve submeter no fim do ano um projeto robusto para o Fundo Amazônia. Está em fase final de concretização”, disse há duas semanas o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, há “crédito pré-aprovado pelo Fundo Amazônia de R$ 35 milhões para prevenção e combate a incêndios pelo Corpo de Bombeiros local, dependendo apenas da apresentação de projeto”. Cerca de R$ 5 milhões, diz a pasta, haviam sido destinados até aquela semana a ações do Ibama e do ICMBio, incluindo gastos com brigadistas, aeronaves, helicópteros e resgate de fauna.
Na mesma semana, o Fundo aprovou também a ampliação dos recursos disponíveis para os nove Estados da Amazônia Legal atuarem no combate a incêndios. O valor passou para R$ 45 milhões, totalizando R$ 405 milhões em recursos não reembolsáveis disponíveis.

Para a bióloga Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade Oxford (Reino Unido), a situação deixa claro que seria importante contar com um fundo emergencial para situações de eventos extremos na Amazônia. “Entendo ser um ano de reestruturação dos órgãos ambientais, que estavam extremamente sucateados e o número de servidores diminuiu. Há uma herança maldita na área, mas havia coisas que davam para fazer”, disse ao Estadão.

Após um evento no Inpe em março, um grupo de pesquisadores ligados a diferentes instituições, como Oxford, Embrapa e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), apresentou documento com indicações para proteger florestas degradadas. Entre as medidas apontadas está a criação de um fundo emergencial para anos de secas extremas.

De acordo com a presidente do Instituto Talanoa, em seus quase 15 anos de existência o fundo desenvolveu um modelo de execução das verbas doadas bem definido. Natalie diz que é um modelo “balcão”, ou seja, para as doações ocorrerem é preciso que projetos sejam apresentados.

“São projetos estruturantes, ações mais de médio termo. Quer dizer, não é recurso emergencial, o fundo não é reativo. Se a intenção é atuar nesta seca, não é o Fundo Amazônia que você vai acionar”, afirma.

Ela explica que para isso há ferramentas legais mais eficientes e com finalidade definidas. “Vai ser um decreto de estado de emergência, de situação de calamidade, que vai liberar uma verba emergencial e vai ajudar nessas questões mais imediatas. Esse recurso reativo está numa escala de bilhões, muito superior ao próprio Fundo Amazônia.”, afirma. “O fundo não tem um modelo reativo. É um modelo muito mais preventivo e proativo.”

Analisando a estrutura e o funcionamento do fundo, Natalie diz sentir falta da apresentação de projetos de adaptação climática, que podem reduzir e evitar danos potenciais das mudanças climáticas. “Essa confluência de problemas que a gente está vendo agora, o fundo só vai poder se dedicar a eles se tiver uma chamada de projetos”, afirma.

Para ela, no entanto, é preciso que também os Estados se preparem para isso e que apresentem seus projetos. “Será que os Estados hoje estão capacitados para apresentar esses projetos?”, diz. “É meio como o ovo e a galinha quem tem de iniciar esse processo?”

Retomada após congelamento

Criado em 2008, durante o segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o mecanismo de captação de doações recebia recursos da Noruega, da Alemanha e da Petrobras. Desde então, R$ 1,5 bilhão foi desembolsado para 102 projetos de preservação e monitoramento do desmatamento na floresta.

“As doações feitas até o momento somam, aproximadamente, R$ 3,5 bilhões. Considerando-se os rendimentos financeiros das doações ao longo do tempo, os desembolsos já efetuados e os valores já contratados. O Fundo Amazônia conta com aproximadamente R$ 4,1 bilhões disponíveis para apoio a novos projetos”, afirma o BNDES.

Em 2019, os repasses ao fundo foram congelados em reação à postura beligerante do ex-presidente Bolsonaro, que chegou a afirmar que existiam irregularidades no uso da verba e que a Alemanha, por exemplo, iria deixar de comprar o Brasil à prestação. “O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”, disse naquele ano.

Com a eleição de Lula, novas doações foram anunciadas por outros países. Em fevereiro deste ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que França, Espanha e União Europeia manifestaram interesse em doar recursos ao Fundo Amazônia. Mais recentemente, outros dois países fizeram anúncios no mesmo sentido: Estados Unidos e Reino Unido.