‘Se Eu Fosse Luísa Sonza’ foca em sofrimento da artista e revela pouco de sua carreira
O documentário (que tem episódios intitulados “O mundo é um moinho”, “Eu sou minha própria hater” e “Escândalo Íntimo”) não se demora muito na música. Mostra o Rivotril que a artista toma, uma sequência excruciante de shows, as ondas de hate. Talvez a ideia fosse mudar a opinião de quem a odeia – o que geralmente é em vão –, transformando raiva em piedade.
O resultado é um meio do caminho estranho, quase sádico. Ficamos em uma encruzilhada como espectadores: devemos admirá-la ou nos compadecer? Luísa foi vítima de muitas coisas terríveis, mas não é uma coitada. Sofre, mas tem privilégios. E tem poder, tem voz, tem palco para responder.
Mas não. Luísa é mostrada como uma pessoa que quer, mas não consegue sustentar o dedo do meio às críticas. Aquele que suas referências, de Rita Lee a Madonna, levantaram. E isso mal é verdade – em muitos momentos, Luísa optou por enfrentar quem a xinga. Dobrou a aposta, até.
Se Eu Fosse Luísa Sonza perde a oportunidade de retratar justamente isso: Sonza como agente de si mesma. É o oposto de Vai Anitta, que mostrava uma artista imponente, com poucas vulnerabilidades e muita confiança.
O documentário sobre Luísa a desenha como uma passageira quase passiva de sua carreira que, quando mudou a opinião pública a seu favor, foi por um tweet impulsivo e acidental.
(Simbolicamente, um dos poucos momentos em que a artista não é retratada como vítima é quando fala do caso de racismo, sozinha com uma câmera de celular. Tem sobriedade e consciência na fala, independentemente de saber se o espectador acreditará no que ela diz. É, finalmente, Luísa contando sua narrativa dos fatos).
A produção tem a pretensão, notável, de abordar todos os assuntos na vida pessoal de Luísa. Para tanto, o agora infame relacionamento com Chico Moedas também aparece rapidamente.
É um momento leve do documentário, em que a cantora se alegra sobre seu novo disco e fala de um amor “inocente, que pode durar pouco”. Mas até a forma com que isso é retratado perde fôlego: após as falas da cantora, um lettering anuncia que a canção “Chico” era número 1 do País “quando Chico traiu Luísa” (sic).
É um texto branco sob tela preta. Recurso usado na série para falar do hiato de Luísa para cuidar da saúde mental, a morte de Marília Mendonça, a acusação de racismo etc. E a traição de Chico.
Os grandes acontecimentos da carreira de Sonza são tratados com o mesmo recurso visual que uma traição em um namoro de meses.
E para quê? Ao sugerir um momento celebratório – as músicas e os números do novo álbum –, a obra dá a entender que Sonza fez sucesso ‘apesar de’. Não nos dá a chance de vê-la como uma artista forte, que se consagra ‘por causa de’ suas criações, quem é, o que viveu.
Dizem que quando uma artista pop assina um contrato milionário, ela é colocada em uma “gaiola de ouro”: recebe investimentos altíssimos rumo ao sucesso, mas perde o poder de decisão. Se torna coadjuvante – e ilustração – de sua própria carreira. Ao fim do documentário, a impressão subliminar é de que Sonza está presa na gaiola de ouro.
Ela não se sente bem durante as gravações; não quer fazer tantos shows em sequência, mas faz; não quer aqueles prazos para o álbum, mas os segue; nem sequer aparenta querer aquele documentário. A gaiola de ouro não costuma ser tão transparente.
No fim das contas, Se Eu Fosse Luísa Sonza é um excelente título. Nem ela parece fazer o que gostaria, se só ela fosse Luísa Sonza.