A educação no Brasil não é pensada para garantir o sucesso de todos os alunos, mas para privilegiar os que são considerados os “melhores” estudantes.
Essa é a conclusão do pedagogo Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave).
Ele chama essa postura de “pensamento olímpico”, porque certos alunos seriam educados para serem os “campeões” — como se a educação fosse uma Olimpíada — enquanto as necessidades da maioria dos alunos seriam deixadas de lado.
Como consequência, diz Alavarse, os “melhores alunos” recebem mais atenção, incentivo e elogios para potencializar seu desenvolvimento, enquanto alunos com mais dificuldades são deixados para trás.
“A gente tem que pensar se quer formar quatro ou cinco alunos brilhantes ou se quer garantir que todos os alunos consigam atingir um certo patamar mínimo de habilidades”, afirma o pesquisador.
“É uma escolha: qual o modelo que você quer?”.
Essa dificuldade em garantir um patamar mínimo para todos é um dos retratos mostrados pelos resultados do Pisa de 2022, principal exame global de educação, divulgados neste mês.
O Pisa mostrou que 70% dos alunos brasileiros não demonstraram ter as habilidades mínimas em Matemática.
Isso significa que a maioria dos estudantes não consegue resolver contas e equações simples nem aplicar o conhecimento a situações do mundo real, como comparar distâncias.
Cerca de 50% não atingiram o patamar mínimo em leitura e cerca de 55% não tinham as habilidades mínimas esperadas em ciências.
Alavarse diz que, embora o “pensamento olímpico” não faça parte oficialmente de uma política educacional, é algo arraigado e bastante comum no comportamento de muitos professores, diretores, gestores escolares e políticos.
“É claro que nos documentos oficiais ninguém assume uma postura seletiva para a escolarização, mas todo mundo que já esteve em uma sala dos professores sabe que sempre existe o que é considerado o ‘bom aluno’”, afirma.
“Sempre existem aqueles que acreditam que a escola é para escolher os melhores.”
Um exemplo seriam políticas públicas que premiam professores conforme os bons resultados dos seus alunos, segundo o pesquisador.
“É uma ideia totalmente equivocada”, diz ele, “porque não faz sentido exigir performance dos professores sem fornecer as condições mínimas de trabalho e de estrutura.”
Para o pesquisador em educação Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação da ONG educacional Cenpec, esse tipo de política de “bônus por resultados” pode acentuar desigualdades.
Isso porque acaba direcionando mais recursos para escolas que já têm um bom desempenho e contam com mais apoio financeiro e de infraestrutura.
É preciso especial atenção para esse problema no ensino público, diz ele, onde estão hoje mais de 80% dos alunos brasileiros.
No entanto, essa lógica também existe nas escolas particulares, segundo os especialistas.
Não é raro, por exemplo, que elas escolham os melhores alunos para participar de avaliações externas, criem salas especiais de ensino avançando ou publiquem rankings com as notas dos alunos em provas e simulados de vestibular.
“O que não podemos é deixar os outros alunos de lado, é preciso trabalhar as necessidades de quem tem dificuldade, dar aulas especiais, estimular. Mas existirem turmas no contraturno para aprofundar é justamente uma forma de atender às necessidades de cada um”, diz ela.
“É preciso abandonar a cultura que aceita o sucesso dos considerados bons e normaliza o baixo desempenho de outros para uma que tenha como o objetivo o sucesso de todos.”