O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) determinou que diretores das escolas estaduais paulistas devem, a partir deste semestre, assistir semanalmente a ao menos duas aulas dos professores. Eles terão que produzir um relatório sobre o que observarem em sala.
Uma portaria estabelecendo a nova atribuição aos diretores foi publicada no Diário Oficial na última sexta-feira (28). Segundo o documento, eles terão que produzir um relatório, com o que observarem das práticas pedagógicas dos professores e encaminhar para a diretoria de ensino da região.
A portaria não explica o que as diretorias de ensino farão com os relatórios —se elas vão analisar as observações feitas a cada professor ou se haverá algum tipo de penalização para quem não receber bons comentários da direção.
Renato Feder, secretário de Educação do governo Tarcísio de Freitas - Mathilde Missioneiro - 3.jan.23/Folhapress
Os diretores receberam uma ficha em que devem preencher os “pontos positivos”, “pontos de melhoria” e “combinados e próximos passos” de cada aula assistida. Eles devem observar a interação dos estudantes com a atividade proposta, gestão do tempo, metodologia e recursos usados, forma de comunicação e o clima da sala de aula.
Em nota, a Secretaria da Educação, comandada por Renato Feder, disse que a medida tem como objetivo “fortalecer o protagonismo e autonomia do educador em sala de aula”. A pasta também não explicou o que será feito com os relatórios.
Professores e diretores da rede estadual dizem que a nova determinação pode criar um clima de vigilância dentro das escolas, além de sobrecarregar a direção com mais atribuições.
A portaria determina que a “quantidade de observações em sala de aula, seguidas de relatório, devem ser de ao menos duas por semana”. Além disso, os diretores devem “cobrir o maior número de professores possível ao longo do bimestre letivo”.
A diretora de uma escola estadual na zona leste da capital contou ter 130 professores em sua unidade. Para conseguir observar todos os docentes, ela terá que gastar mais de 30 horas da semana acompanhando as aulas, sem contar o tempo gasto para elaborar o relatório.
Para ela, a nova determinação desconsidera a realidade e o tipo de trabalho desenvolvido pelos diretores. Ela conta que dá suporte pedagógico e assiste às aulas de professores que estão com dificuldade ou pedem ajuda, mas diz ser desnecessário observar a aula de todo o quadro.
Márcia Jacomini, professora do Departamento de Educação da Unifesp, diz que a medida impõe uma lógica de “administração de empresas” dentro da escola e retira a autonomia tanto dos diretores como dos professores.
“Não há nenhum problema do diretor acompanhar as aulas dos professores, inclusive, isso é incentivado e já feito em muitas escolas. O problema é tornar isso uma regra, com uma periodicidade que desconsidera as atividades do diretor, e ainda exigir um relatório sem explicar o que vai ser feito com ele.”
“O que poderia ser um apoio pedagógico acaba virando mais uma obrigação para o diretor e mais um motivo de apreensão para o professor. A regra passa a impressão de vigilância em sala de aula, o que não é bom para ninguém”, diz Márcia.
Ela também destaca que o apoio pedagógico, em geral, funciona melhor com profissionais da mesma área de conhecimento e não necessariamente com o diretor. “Por exemplo, o professor de matemática mais experiente, com anos de carreira, pode ajudar muito mais o colega recém-formado do que um diretor que não tem formação na área.”
Para a especialista, é importante que a secretaria esclareça o que será feito com o relatório das aulas, já que são mais de 200 mil professores nas escolas da rede. “Eles vão analisar tudo ou só dar mais trabalho para o diretor e desconsiderar o que fizeram?”
Outra professora, de uma escola estadual da zona sul, destacou que o formato de relatório encaminhado não traz espaços para apontamentos de situações que interferem nas aulas, mas independem do professor. Por exemplo, o excesso de alunos por sala.
“Ao colocar só a prática pedagógica do professor em análise, a secretaria ignora e se abstém de solucionar todos os outros problemas que afetam as aulas. Coloca no professor a responsabilidade por tudo o que dá errado na educação”, diz Márcia.
Em nota, a Seduc disse que a portaria visa “assegurar o suporte aos professores com a maior interação e apoio por meio do coordenador pedagógico e diretores de escola e unidade escolar”.
“Com a medida, os gestores pedagógicos passam a ter a indicação da carga horária mínima direcionada para acompanhar e auxiliar os docentes com temas inerentes ao dia a dia das atividades escolares, ampliando o ambiente de escuta e avaliações de estratégias para tornar o processo de ensino-aprendizagem aos estudantes mais efetivo”, diz.
A pasta também afirmou que a aplicação da regra será realizada de acordo com a realidade de cada escola.