Como Beyoncé e Pharrell trazem à tona a invisibilização dos negros na cultura western

Luiza Brasil reflete sobre a nova onda do western e as raízes raciais da cultura dos caubóis

Pharrell Williams, à frente do masculino da Louis Vuitton, e Beyoncé pavimentam o protagonismo negro no country e reacendem o debate sobre a invisibilização racial na história e na indústria cultural

Feche os olhos e pense no Velho Oeste. Se em um passado não tão distante os nomes que personificavam esse conceito eram o de John Wayne, Billy the Kid e Buffalo Bill, atualmente, na moda e na música, são os de Pharrell Williams, diretor criativo da linha masculina da Louis Vuitton, e da diva pop Beyoncé. Os dois são responsáveis por um momento emblemático para o country: sua estética não só enquanto uma tendência de estilo, mas também como o levante de um debate importante que diz respeito à historicidade e às raízes raciais da cultura dos caubóis.

Em 2024, a temporada fashionista começou movimentada. E a responsável por dar essa largada foi Paris, Virginia, desfile da coleção de inverno 2024/25 da Louis Vuitton, realizado durante a semana de moda masculina na capital francesa. Pharrell, com seu olhar disruptivo e, sobretudo, o seu faro aguçado para a conversão comercial, trouxe absolutamente tudo o que esperamos em uma apresentação com alusão ao faroeste. Entre a profusão dos jeans que transitam das lavagens azuis levemente estonadas, passando pelos tingimentos black até chegar ao Damier denim (código tradicional da marca revisitado na textura), o desfile também reuniu outros curingas da moda western como camisas embabadadas e botas, muitas botas. Além disso, o diretor artístico fez uma verdadeira viagem nas modelagens setentistas, como a calça flare, e trouxe novamente para o hype a estampa de vaca.

Outro ápice da coleção são os acessórios e detalhes, como bordados e pinturas desenvolvidos em parceria com nativos americanos de Dakota e Lakota. Apesar do questionamento sobre a relação de lucro que grandes conglomerados de luxo venham a obter com o legado de povos originários, a iniciativa mostrou-se um pontapé para o pertencimento ativo nesta indústria criativa.

Pouco depois, em fevereiro, Beyoncé marcou sua presença no Grammy 2024 vestindo a coleção recém-saída das passarelas. Ela não disse nada, mas ali havia sinais de que a apresentação altamente repercutida representaria em termos de referência de estilo mais um renascimento da música pop. E, na calada da noite (e do Carnaval brasileiro em seu ápice), a diva disponibilizou as músicas “Texas Hold’Em” e “16 Carriages” do álbum Cowboy Carter, que é a segunda parte de três atos, que foram iniciados com a era Renaissance em 2022.

Mas toda essa movimentação da indústria cultural para além de colocar o country no circuito trendy novamente, traz holofote para um fato que, por décadas, ficou nos bastidores: que os caubóis com as representações hollywoodianas que ilustram nosso imaginário com pele alva e olhos azuis são os trabalhadores estadunidenses, que, por ora, são os homens negros e, sobretudo, os povos nativos. Essa é a história que a História dos Estados Unidos não conta.

No dia do show da Vuitton, eu estava em Aspen, Colorado. Ao pesquisar sobre a cidade, descobri que havia sido reduto indígena por cerca de 800 anos. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, reforçou ainda mais meu entendimento sobre as demãos de tinta branca que envolvem o apagamento da cultura ameríndia local. Na década de 1950, invisibilizaram o pioneirismo de Chuck Berry, homem negro considerado o pai do rock; nos anos 2020, a tentativa de boicote contra pessoas negras, independentemente do seu grau de excelência e visibilidade, segue por acontecer. Prova disso é a rádio country de OklahomaKYKCter se recusado a tocar as faixas de Beyoncé sob a alegação de que ela não pertence ao gênero. Contra fatos e beyhives, porém, não há argumentos. Um ouvinte descontente fez um print do e-mail com o retorno da emissora, compartilhou com os fãs, que se mobilizaram, e a rádio voltou atrás na decisão, chegando a tocar os hits algumas vezes por dia.

Atualmente, vivemos no mercado de moda um retrocesso no que tange a diversidade e inclusão, pois praticam o olhar míope de validá-las como se fossem meras filantropias. Contudo, Bernard Arnault, CEO do grupo LVMH, usa de sua visão de negócios afiada para entender que a presença de Pharrell Williams na cadeira de decisão criativa de uma das maisons mais importantes do mundo vai além de uma definição pautada na comprovada competência e entrega do profissional. É uma estratégia de amplificação que atrai novos públicos, refresca a relevância da label e, o mais importante, gera conversas e conversão de novos clientes. Eles, então, tornam-se leais brand lovers quando encontram identificação e escuta ativa ao se sentirem pertencentes à comunidade da marca.

Agentes culturais como Pharrell Williams e Beyoncé, mais do que o poder de influenciar modismos passageiros e decisões de consumo, sabem e se colocam enquanto linha de frente de rupturas sociais, invertendo os papéis do protagonismo, tensionando as estruturas e o status quo. E isso tudo requer ousadia, articulação e, sobretudo, coragem. Afinal de contas, dar poder e consciência a quem foi subestimado e invisibilizado por um extenso contexto histórico é perpetuar novos legados. E mais: provocar incômodo nos mais conservadores e classistas.

Seja nos Estados Unidos, seja no Brasil, seja nas Américas, a cor deste faroeste é caboclo, negro e indígena.

Fonte: https://vogue.globo.com/moda/noticia/2024/04/luiza-brasil-reflete-sobre-a-nova-onda-do-western-e-as-raizes-raciais-da-cultura-dos-caubois.ghtml[color=#]Text[/color]

A vogue esquecendo da solange em 2019

O titulo parece tese do twitter