Vítima de marido abusivo em 'Mania de você', Mariana Santos relembra relações tóxicas: 'Hoje acho um absurdo o que eu vivi’

Símbolo do empoderamento feminino, o batom vermelho migrou dos lábios para as mãos de Mariana Santos neste ensaio da Canal Extra. Afinal, é com elas, as mãos, que universalmente entendemos o sinal de “Basta!”. Na pele de Fátima, que vive um relacionamento abusivo em “Mania de você”, a atriz se orgulha por dar voz a uma mulher que é constantemente calada pelo marido no horário nobre da Globo. Na história, Robson, interpretado por Eriberto Leão, insiste em humilhá-la ao criticar seu corpo, obrigá-la a fazer dieta e exercícios e impedi-la de usar determinadas roupas.

Atriz está em ‘Mania de você’, interpretando Fátima

Intérprete da pianista que abandonou a carreira por conta do casamento, a artista de 48 anos conta que também já passou por momentos em que precisou usar sua força interior para resistir: das dificuldades financeiras enfrentadas na infância ao enfrentamento das crises de pânico. Conheça melhor nesta entrevista a carioca que foi lançada na TV pelo “Zorra total” (2006) e agora faz sua estreia numa novela das nove.

Como é dar voz a uma mulher silenciada?

Eu poderia fazer a Fátima agressiva e amargurada, mas percebi que ela é doce, está ali apaziguada com seu casamento, assim como muitas mulheres que vivem relações semelhantes e normalizam o abuso. Nem percebem que aquela sequência de agressões faz mal. Quando li a sinopse (da novela), vi que era um papel delicado, porque este é um tema muito difícil de tratar. É uma personagem que existe na vida real, representa mulheres de várias classes sociais e faixas etárias.

Como tem sido a repercussão?

Fátima é querida porque é muito solar. Recebo milhares de mensagens de mulheres falando: “Poxa, vivi isso e não sabia”; “Nossa, eu identifiquei uma frase que eu escutava”; “Estou passando por isso”; “É assim mesmo, ele fala que eu não posso comer”; “Ele fala que meu corpo tá assim e assado”. Dói ler. Percebi que é um espaço de desabafo. Recentemente, fui a uma farmácia e a moça disse que vivia uma relação parecida com o namorado. Fico comovida. Tem mulheres que fazem dietas absurdas…

Que conselho você daria a Fátima?

Como ela vive um casamento de muitos anos, é difícil ela entender que tem que sair dessa relação. Falar que ela precisa se separar urgentemente não seria um bom caminho. Tem que ir devagar, levantar a autoestima da pessoa… Se eu fosse amiga da Fátima, daria força, assim como Diana (Vanessa Bueno) faz, para ela trabalhar e rever suas potencialidades. Com cuidado, para não correr o risco de levar um fora, né?

Você se considera uma feminista?

Acho que sempre fui, mesmo sem saber que isso existia. Sempre fui dona da minha vida, fiz minhas próprias escolhas. Nunca quis depender de homem pra nada, nem imaginei ter um parceiro para cuidar de mim. Marido é para somar. Eu nem pensava em casar. Só me casei, há pouco mais de oito anos, com o Rodrigo (Velloni, produtor teatral) porque foi algo natural e forte. Até nos relacionamentos esquisitos que vivi fiz escolhas feministas.

Que relações esquisitas foram essas?

Tive um namorado que queria me buscar e levar ao trabalho, mas começou a me restringir. Eu não podia passar do horário de saída porque ele já achava que eu estava fazendo alguma coisa errada. Começava a me ligar e a brigar comigo. Um dia, fiquei sem o celular e, quando peguei de volta, havia 50 ligações dele. Eu falava que ia terminar, ele desmaiava para eu me sentir culpada. No dia seguinte, fazia uma carta linda, dizendo que eu era especial. Chantagem emocional muito forte. Dei um basta. Nesse tipo de relação, a pessoa não se apresenta como um monstro, mas sim como alguém maravilhoso. E tive outro relacionamento estranho. Comprei uma roupa para ir bem bonita a uma festa, parcelei em várias vezes uma calça preta justa, uma blusa azul e um blazer. Me senti! Quando esse cara foi me buscar, falou que não ia mais comigo por causa da minha roupa. Disse que a calça estava grudada no corpo e tinha ficado vulgar. Ele foi embora e eu chorei muito. Minha cabeça explodiu de dor, fiquei na dúvida se desistia da festa. Minha amiga disse que eu estava linda e me encorajou a sair. A gente vive relacionamentos abusivos e só se dá conta depois. Hoje acho um absurdo o que eu vivi.

Muito se fala numa possível relação amorosa entre Fátima e Diana. Em “Elas por elas”, sua personagem teve um romance com Carol (Karine Telles), a amiga…

As pessoas adoram romance e amam casais, né? O que está sendo mais legal entre Fátima e Diana é essa força da amizade feminina, acho isso mais importante e mais bonito que um romance. Se o caminho delas for um relacionamento amoroso, acharia legal também, não porque os maridos são ruins, mas pela relação das duas. Em “Elas por elas”, foi natural, assim como na vida. No caso da Fátima, se acontecer algo nesse sentido, a história vai ser muito bem contada pelo João Emanuel Carneiro (autor). E as pessoas vão gostar também.

Como foi sua infância, sua juventude?

Sou carioca, da Tijuca (Zona Norte do Rio), de classe média. Meus pais se separaram quando eu era muito nova (tinha 7 anos). Passamos dificuldade, tive que trabalhar cedo para ajudar minha mãe. Estudava teatro e fazia eventos. Conciliava peças infantis com o trabalho de recepcionista e garçonete de festas de 15 anos, bodas de ouro… Depois fiz magistério, fui auxiliar de educação e me formei em Pedagogia. Dei aula para crianças de 0 a 6 anos, além de artes integradas para adolescentes. Teve um período em que eu dava aula em três escolas diferentes. Vivia rouca, mas era uma época criativa.

Que dificuldades você enfrentou?

Falta de dinheiro. Nunca passei fome, mas minha mãe sempre pegava empréstimo no banco. Ela se virava. Vendia produtos da Natura, da Avon… Também empenhava joias herdadas da minha avó. Lembro quando percebi a falta do dinheiro pela primeira vez. Minha mãe ia comigo aos ensaios da peça e a gente não tinha um tostão para ir almoçar com as pessoas. A saída era comprar pão doce.

Seu pai foi presente após a separação?

Tenho contato com ele até hoje. Ele é maravilhoso. Depois de se casar, minha mãe deixou de trabalhar porque ele foi transferido de cidade e ela foi junto. A pensão que ele pagava era pouca. Sempre tive o apoio dele, mas a vida ficou difícil. Eu queria reformar a casa da minha mãe, comprar sofá, mas não tinha dinheiro. A TV era muito velha. Era meia imagem, tinha que bater na TV para ver tudo. Foi um momento de muito aperto. Meu pai pagava a escola, sempre tive educação boa. Só respirei quando fui dar aula nas escolas. Parei de lecionar em 2008, quando já estava no “Zorra”. Conciliar não dava.

Sofreu bullying quando era aluna?

Eu tinha muita acne. Num aniversário meu, um professor puxou o “Parabéns pra você”. No final, o fundão gritou “Chokito, Chokito, Chokito” (chocolate coberto por bolinhas de flocos). Foi horrível. Ninguém tinha acne, só eu, e muita. Eu era parada na rua por pessoas que me sugeriam receitas caseiras para a pele. Falavam para eu colocar alface no rosto… Já estava acostumada, mas no meu aniversário, foi uma dor. Queria chorar, mas me segurei.

Fátima é humilhada por conta do corpo. Já teve questão com a forma física?

Nunca. O humor me salvou. Nunca senti essa pressão. Sempre gostei de mim. Se tiver que emagrecer ou engordar, vai ser para algum papel. Meu corpo está a serviço da personagem. Mas a autoestima varia muito. Tem dias em que acordo me achando horrível e velha, em outros, me acho linda e vejo como é bom envelhecer. Você não pode querer ter a barriga que tinha aos 20 anos. A gente come de tudo mais jovem, de fast food a biscoito recheado. Adorava misturar batata frita e Bono. Hoje, se eu ficar comendo isso, o colesterol sobe.

Como não deixar um casamento esfriar?

É uma escolha de convivência diária e amadurecimento. Somos tranquilos. Eu casei com 39 anos. Já tinha passado por tantos relacionamentos, ele também já tinha sido casado… Então tínhamos certeza de que queríamos estar juntos. Mas somos independentes. Tenho um apartamento no Rio e ele fica em São Paulo. Vivo na ponte aérea. É muito leve minha relação. Não tem cobrança.

A Fátima sente a culpa por não ter sido mãe. Você tem esse sentimento também?

Decidi não ter filhos. Teve uma época em que me questionei. Fui adiando e foi libertador aceitar que não quero. Não tenho culpa nenhuma. Coloco meu lado maternal em minha família e meus amigos. O relógio biológico nunca bateu pra mim assim como bateu em minhas amigas. O maior desafio da vida da mulher é ser mãe. Para você ter essa experiência única e difícil, tem que querer demais. Não tive cobrança da minha família nem do meu marido. Mas muitas mulheres são julgadas por não terem filhos.

Você teve medo de só fazer papéis cômicos?

Fiquei muito tempo no “Zorra”. Tava feliz, não achava que era possível fazer novela. Quando me chamaram, fiquei muito entusiasmada. Naquela época, estava querendo experimentar outras coisas. Antigamente, se a pessoa era comediante, seria isso para sempre. Sem querer, furei a bolha. Ainda sou muito conhecida pelo humor. Muita gente ainda fala do “Zorra”, do quadro do Aderbal. Teve uma vez que peguei um carro de aplicativo e o motorista disse que eu era engraçada, que assistia… Os bordões eram muito marcantes (quem não se lembra do “Você fala demais, Aderbal!”?). Eu me achava ótima comediante, mas não acho que foi uma explosão.

Você também virou meme ao cantar “Frontal com Rivotril” (trecho da música “Pagode do remédio”) no “Conversa com Bial”…

Nossa… Aquilo, sim, foi um estouro, né? Se eu tivesse como ganhar dinheiro com aquela música (risos)… Gente, aquilo foi uma loucura. Foi um trecho da minha peça. Eu cantei no Bial e viralizou de uma maneira… Virou hit nas farmácias. Todos os farmacêuticos lembram (risos). Eu fiz essa música baseada na minha experiência com o pânico.

Falando em pânico, como você conseguiu controlá-lo?

A minha vida toda foi conviver com a ansiedade e com a síndrome do pânico. Começou na infância, deu uma parada, e na adolescência voltou. Sempre com altos e baixos. Fiz muita terapia. Teve uma época em que a medicação foi necessária. O que me tirava de casa era o teatro. Não sentia pânico nos palcos nem dando aula, justamente quando eu estava mais exposta. Mas, para chegar nesses lugares, era um sacrifício. Tive crises terríveis. Eu passava mal por me distanciar de casa. Nos deslocamentos, meu coração acelerava. Me mudei para São Paulo para matar esse leão. Fui piorando a situação de propósito para vencer o pânico. Faço terapia até hoje e vai ser para sempre. Hoje tenho ferramentas para controlar o pânico, mas sei que vou lidar com isso minha vida inteira.

Mariana usou
Look short vermelho: Blazer Whymann; Short Renner; Bota Not Me Shoes; Acessórios TOTTA
Look jaqueta vermelha: Jaqueta Colcci; Cropped Sommer; Calça Whymann; Bota Cecconello; Acessórios Lilac
Look vestido: Vestido L’cecci; Bota Not Me Shoes; Acessórios TOTTA

Onde encontrar
Cecconello @cecconello
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Créditos
Texto e produção executiva: Thomaz Rocha
Edição: Camilla Mota
Fotos: Márcio Farias @marciofariasfoto
Assistente de foto: Yuri Deslandes @yuri.deslandes
Styling: Tracy Rato @tracyrato
Beleza: Ana Gil @anagil.beauty