100 anos de quando o presidente da antiga AMEA e patrono do Fluminense sugeriu ao Vasco montar equipe formada "genuinamente por portugueses”


Ofício enviado pela AMEA ao Vasco, no lado direito, com início da carta enviada em resposta à Resposta Histórica — Foto: Acervo Digital da Biblioteca Nacional

Réplica foi escrita por Arnaldo Guinle, presidente da comissão organizadora e patrono do Fluminense, a quem foi enviada a Resposta Histórica

Por Bruno Murito e Emanuelle Ribeiro — Rio de Janeiro
06/04/2024 12h00 Atualizado há 6 dias

A Resposta Histórica é um documento histórico para o Vasco e para o futebol brasileiro, que simboliza a luta contra a discriminação no futebol. Celebrada pelo clube e pela torcida vascaína a cada ano que passa, a carta completa 100 anos neste domingo.

No entanto, pouco se sabe que houve uma resposta à “Resposta Histórica” do Vasco. Disponível no Acervo Digital da Biblioteca Nacional, publicada no jornal “O Paiz”, no dia 19 de abril de 1924, a réplica é escrita por Arnaldo Guinle, presidente da comissão organizadora da AMEA e patrono do Fluminense.

O documento rebate parágrafo por parágrafo do ofício enviado pelo Vasco e, no fim, afirma que alimenta a esperança que o clube, fundado por imigrantes portugueses, forme uma equipe “genuinamente portuguesa”, por não haver outra colônia capaz de apresentar “qualidades desta nobre raça secular”.

“Finalmente, dissemos a V. Ex. que embora estivessemos promptos a attender aos reclamos do vosso club a este respeito, alimentavamos a esperança de que, para o futuro, elle fizesse todos os esforços para constituir equipes genuinamente portuguezas, porquanto ao nosso ver, não havia em nosso meio outra colonia capaz de apresentar melhores elementos que a portugueza para uma demonstração sportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular”, escreveu Arnaldo Guinle a José Augusto Prestes.


Trecho no qual Arnaldo Guinle sugere que Vasco forme equipe “genuinamente de portugueses” — Foto: Acervo Digital da Biblioteca Nacional

Após o Vasco vencer o Campeonato Carioca de 1923, em seu primeiro ano na elite carioca, com uma equipe formada por negros e pobres em sua maioria, América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense romperam com a Liga Metropolitana e se reuniram para a fundação da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA).

A AMEA aceitou a inscrição do Vasco desde que o clube excluísse 12 de seus jogadores, sendo sete da equipe principal e cinco do segundo quadro. Em sua maioria, atletas negros e pertencentes às camadas populares da sociedade. A resolução da entidade colocava o Vasco, atual campeão carioca, em desvantagem em relação aos fundadores da nova liga.

Em trecho retirado do estudo “História das Ligas e Federações do Rio de Janeiro (1905-1941)”, encontrado por um grupo de pesquisa da FAPERJ, liderado por Luís Manuel Fernandes, mostra o estatuto da AMEA e todas as suas restrições para “manter o futebol um esporte de elite”.


Trecho do estatuto da AMEA, retirado do estudo “História das Ligas e Federações do Rio de Janeiro (1905-1941)”, que foi publicado no Segundo Volume do livro “Memória Social dos Esportes” organizado pelos professores Francisco Carlos Teixeira da Silva e Ricardo Pinto dos Santos. — Foto: Reprodução

O Vasco se recusou a excluir seus jogadores e elaborou a Resposta Histórica no dia 7 de abril de 1923. No ano passado, no aniversário de 99 anos da carta, o Centro de Memória do clube preparou um documento digital com vários elementos sobre o feito do Vasco — inclusive, com o ofício escrito por Arnaldo Guinle.

No documento digital, o Vasco afirma que esta parte do ofício da AMEA expõe um preconceito explícito com o clube, que era visto como um “somente de portugueses, sem negros,” e que os dirigentes tinham interesse “em estigmatizar o Cruzmaltino como um clube contra as equipes brasileiras”.


Vasco chama trecho de réplica da Resposta Histórica de “preconceito explícito” — Foto: Reprodução

“Havia o interesse de que o Vasco da Gama constituísse equipes formadas apenas por portugueses, ao estilo de agremiações como o Luzitania Sport Club. Assim, do embate esportivo entre esse Vasco, que os dirigentes da AMEA queriam com os clubes grandes à época (que constituíam suas equipes apenas de homens brancos), dentro de uma concepção racialista, sairia a raça vencedora: portuguesa ou “brasileira””.

“Além disso, tal parte do documento da AMEA expõe o desejo de colocar o Vasco como um clube somente de portugueses, sem negros, e o interesse dos dirigentes da nova liga em estigmatizar o Cruzmaltino como um pária estrangeiro, que atuava contra os “legítimos clubes brasileiros””, traz o documento disponível no site do Vasco.

Um século atrás, o contexto social e histórico do Brasil era outro. Mesmo assim, a pesquisa apontou que, com o tempo, alguns periódicos se posicionaram contra os princípios da AMEA. A maioria dos artigos, no entanto, apenas noticiou, sem aprofundar, a desistência do Vasco.

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Gente, não sabia dessa história, não me admira ter o dedo de certos clubes

futebol pra mim só serve pra ver aqueles machos gostoso correndo atrás de bola suados e com o rabao marcando

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