Uma atriz do tamanho de Cláudia Abreu normalmente representa expectativa alta quando está em cena. Mesmo para uma artista tão elástica, entregar um desempenho do nível do que foi apresentado em Dona de Mim ainda surpreende. Talvez seja por isso que a dramaturgia sobreviveu a todas as mudanças de tempo e de formato.
A envergadura do trabalho de Cláudia já foi vista inúmeras vezes e nos mais diversos projetos, seja na TV, no cinema ou no teatro. Cada vez mais bissexta quando o assunto é novelas, ela fez valer a pena a expectativa de um retorno triunfal após tanto tempo longe da TV aberta.
Filipa não parecia uma personagem à altura de uma artista deste nível. Desde o início de Dona de Mim, ela parecia deslocada da família, sem conexão com outros personagens e em rotação diferente do restante da novela. Mesmo nos momentos em que parecia não ter profundidade alguma, a atriz defendia com unhas e dentes a cada sequência e mostrava seu talento.
Na semana mais recente, o público começou a entender que o deslocamento de Filipa era proposital. Mais do que uma mulher sem saber o que quer da vida, ela é uma pessoa com algum tipo de neurodivergência. Embora ainda não se saiba qual o transtorno da personagem, já é possível afirmar que trata-se de uma mulher doente.
Foram nessas sequências que o público teve a oportunidade de acompanhar o talento dramatúrgico de uma das grandes atrizes da história das novelas brasileiras. No surto de Filipa, quando explode após mais uma discussão com a filha e sendo vítima de outra armação de Sofia, Abreu dominou a tela e foi o grande nome da dramaturgia na semana com uma vantagem considerável.
Embora Filipa viveu alguns momentos de surto, mesmo fora de controle, era possível notar que cada expressão aloprada, a correria, as caras e bocas, os gritos e até a respiração tinham uma razão de existir. Cláudia dominou cada célula de seu corpo para entregar uma das mais potentes sequências do ano na TV brasileira.
Mas não foi apenas nas cenas de explosão que a atriz brilhou. Houve pelo menos dois outros momentos em que, comedida, ela mostrou que sabe das coisas com rara felicidade. Ao ver o desenho que Sofia fez dela, a dor de Filipa foi estampada apenas pelo olhar depressivo emprestado pela intérprete. Também chamou a atenção sua primeira consulta na terapeuta, em que todo o peso da existência estava clara nas expressões, muito menos severas, porém de profundidade rara.
Cláudia Abreu é, talvez, a atriz com maior envergadura entre todas as que estejam no ar atualmente na TV brasileira. Porém, sua personagem não parecia capaz de dar a ela conteúdo para mostrar o talento. Aparentemente, Filipa pode ter uma reviravolta e entregar para o público mais um grande trabalho da atriz.