Aya Nakamura, a estrela pop no centro do racismo nas Olimpíadas de Paris
A indignação com os rumores da participação da cantora na cerimónia de abertura das olimpíadas expôs a profunda divisão e o racismo na França.
Aya Nakamura é a cantora francesa mais ouvida no mundo na atualidade, cujos seus hits cativantes falam sobre amor e traição e já foram transmitidos mais de 7 bilhões de vezes e que fez história no ano passado quando esgotou três shows em Paris em menos de 15 minutos.
Mas Aya Nakamura, a maior estrela pop francesa, conhecida pelo seu estilo único, influenciado pelo afrobeat e pelo zouk caribenho, está no centro do racismo e da ignorância, depois que políticos e parte da população na França expressarem um descontentamento com a possibilidade dela poder ser a atração principal nos Jogos Olímpicos de Paris em 2024.
O promotor de Paris abriu uma investigação sobre os ataques racistas contra a cantora. Uma queixa foi apresentada pela Liga Internacional contra o Racismo e o Antissemitismo, sediada na França.
Franceses protestam contra presença da cantora nas olimpíadas — Foto: Reprodução/ Instagram
A queixa de políticos de direita e de parte da imprensa é que é que Nakamura não é suficientemente francesa, expondo diversas falas racistas e preconceito de classe e ameaçando boicotar os jogos olímpicos caso a cantora seja a atração principal.
Rachida Dati, a ministra da Cultura, alertou contra o “racismo” explícito que Nakamura estava sendo vítima, e Lilian Thuram, com uma ex jogadora francesa, disse: “Quando as pessoas dizem que Aya não pode representar a França, em que critérios se baseiam? Bom eu mesma digo, os critérios são o mesmo quando diziam que a seleção não era a seleção francesa porque há muitos negros em campo .”
Nakamura, de 28 anos, cresceu nos subúrbios de Seine-Saint-Denis, no norte de Paris, exatamente as comunidades que as Olimpíadas de Paris prometeram celebrar.
Aya nasceu no Mali e chegou a França ainda muito bebê. Ela morava em Aulnay-sous-Bois com os irmãos e a mãe, que era uma poetisa e cantora tradicional do Mali. Ela adotou o nome artístico de Nakamura inspirada na série “Super Heroes” e foi descoberta depois de postar músicas no YouTube aos 19 anos.
Suas letras fortes falam sobre amor e relacionamentos e rapidamente conquistaram um grande número de seguidores.
Os críticos musicais franceses argumentam que nenhuma outra cantora na história da França – nem mesmo Piaf no seu estrelato pós-guerra – teve o alcance global de Nakamura, com fãs em todos os continentes, em todas as classes, origens, idades. Sua música mais conhecida, “Djajda”, tem quase 1 bilhão de views somente no YouTube.
Sua música é influenciada pelo zouk pop franco-caribenho misturando batidas afrobeat. Mas enquanto algumas grandes bandas francesas internacionais, como Daft Punk, preferiam cantar em inglês, Nakamura construiu uma enorme base de fãs global cantando em francês.
Líderes do senado francês como o conservador, Gérard Larcher, atacam Nakamura pelo seu modo se falar dizendo que ela tem um “francês de pobre” porque ela usa gírias em suas músicas.
Alguns artistas saíram em defesa da cantora dizendo que ela faz parte de uma nova geração e se comunica como os jovens falam hoje em dia na França.
A cantora Princess Erika disse: “Essas pessoas dizendo que ela não fala francês, onde vivem? Porque Aya fala não apenas um francês poético, mas o francês dos jovens.” Nakamura disse num programa de TV no ano passado: “Muitas pessoas falam como eu e há jovens que me entendem”.
O jornalista, Mekolo Biligui, declarou: “Esta discussão diz muito sobre como é o racismo na França. Não é a primeira controvérsia desse tipo. Quando o rapper Youssoupha foi escolhido pela seleção francesa de futebol para gravar o hino para a Euro 2021, houve uma polêmica igual. Quando o rapper Black M. se apresentaria no centenário da guerra de Verdun, tivemos o mesmo debate.
Está começando a ser uma lista grande de casos parecidos e o que esses artistas têm em comum é que são todos negros. Na França, há um problema com os artistas pretos. Durante muito tempo, a França soube esconder o seu racismo. Agora não conseguem mais. Chamam ela (Aya) de rapper na tv só porque ela é negra, sendo que ela é uma cantora totalmente pop.”
Continua Biligui:** “Minha avaliação do quão popular um artista é na França é quando ele começa a ser tocado em casamentos”, disse o jornalista. “Você ouve Aya Nakamura tocando em todos os lugares, especialmente em casamentos porque ela é muito popular, ela é a trilha sonora de todas as partes da vida das pessoas”**
Há um elemento classista em criticar o francês de Aya, porque ela fala gírias. A língua francesa sempre conteve muitas gírias, de diferentes cidades e regiões, do norte e do sul, e particularmente em Paris.
Esta briga tenta reduzir Nakamura ao fato dela vir de uma bairro da classe baixa e ser de herança africana. Mas na verdade ela é a representante da nova geração e faz parte da cultura francesa, a música dela é 100% francesa.
Christelle Bakima Poundza que é autora do livro, Corps Noirs, sobre mulheres negras na moda francesa, avaliou a capa de Aya na Vogue França e que foi recorde de vendas e premiada ao redor do mundo sendo ela a primeira artista negra francesa a alcançar essa posição.
Ela diz que a capa da Vogue veio muito tarde na carreira de Nakamura e que ela tem muito menos capas de revistas na França do que outras cantoras brancas, apesar de vender milhões de discos a mais.
Bakima Poundza, que organizou o primeiro encontro de crítica cultural sobre a carreira de Nakamura, fez uma campanha para Aya fazer parte Jogos Olímpicos e sentiu que a classe política foi muito lenta para defender Nakamura contra a extrema direita: “Ela é a primeira artista que realmente representa todos, ouvido por todas as gerações – o único artista que permitiu à França ser vista internacionalmente, diversa, generosa e multicultural. E, no entanto, a França não consegue nem defender a mulher que tem nos levado a outros países”
O presidente Emmanuel Macron ainda não confirmou se quer que Nakamura seja a atração principal da cerimônia de abertura olímpica.
Bakima Poundza definiu os ataques a Nakamura como o mais violentos ataque a mulheres negras na França, desde o abuso da ex-ministra da justiça Christiane Taubira quando ela liderou a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2013. Ela disse isso adicionado à sensação de um “clima hostil” para os franceses de cor, depois de um ano em que o medo foi instaurado na população por causa do tiroteio da polícia contra um rapaz negro de 17 anos, Nahel, de ascendência argelina, e a uma lei de imigração abusiva.
Ainda não se sabe se Nakamura se apresentará nas Olimpíadas, mas o comitê organizador de Paris está tentando limitar os danos causados pela controvérsia.
“Estamos muito chocados com os ataques racistas contra Aya Nakamura”, afirmou. “Apoio total a cantora francesa mais ouvido no mundo.”