A nova versão de “Vale Tudo” ainda nem terminou, mas uma análise detalhada da sequência investigativa da morte de Odete Roitman (Debora Bloch) levanta uma questão incômoda para a novela: se a edição exibida realmente seguiu a ordem cronológica apresentada pelo investigador, o assassino só pode ser César (Cauã Reymond).
Tudo parte de uma lógica simples. O inspetor que conduz a investigação separa as imagens (das câmeras) de segurança em ordem cronológica e mostra essa sequência ao delegado. O vídeo deixa claro que o único personagem que entrou no quarto utilizando uma chave foi César. Antes dele, o último a entrar foi Marco Aurélio (Alexandre Nero) — que, diferente de César, não tinha a chave do quarto. Isso significa que alguém precisou abrir a porta para ele. Como ninguém mais aparece nas imagens saindo do quarto, a única possibilidade é que a própria Odete tenha aberto a porta, ou seja, ela ainda estava viva no momento em que Marco Aurélio entrou.
Para reverter esse quadro, a novela teria que recorrer a soluções de bastidores pouco elegantes: manipulação das imagens, erro intencional na ordem dos vídeos ou até corrupção dos investigadores, que teriam apresentado uma cronologia falsa ao delegado. Fora essas hipóteses forçadas, a trama leva diretamente a César como único possível culpado.
Em uma cena anterior, Marco Aurélio é visto montando uma arma com supressor de ruído. Ele fala sobre isso com Leila (Carolina Dieckmann) e acopla o acessório na pistola. No entanto, pouco depois, quando se prepara para sair, guarda a arma no coldre sem o silenciador — o que pode ser interpretado como um erro de continuidade. De qualquer forma, o tiro que matou Odete foi disparado sem supressor de ruído, já que o disparo foi ouvido (e a imagem mostra a arma sem o dispositivo). Isso por si só já enfraquece a hipótese de que tenha sido Marco Aurélio o autor do crime.
Diante disso, só resta César como possível assassino. Ele é o único que entrou depois de Marco Aurélio e o único com acesso via chave — o que também lhe permitiria trancar o quarto depois de sair, algo coerente com o estado da cena do crime. Mais que isso: pouco após a morte de Odete, César diz a Olavo (Ricardo Teodoro) a frase “a gente precisa se livrar desse flagrante” — referindo-se à arma. É praticamente uma confissão. Ele não só esteve na cena do crime como agiu para ocultar provas.
Outros elementos da novela ajudam a reforçar a confusão. O mais claro é o do segundo furo na parede, que a internet apontou logo de cara. É possível que o roteiro tente colocar mais de uma pessoa na cena final. Só isso pode fazer sentido. Se for um erro, o vexame será muito grande.
A falta de segurança do hotel também virou motivo de piada. A bagunça é tanta que nem os possíveis suspeitos se preocuparam com o fato de haver câmeras por toda parte?
Maria de Fátima (Bella Campos), por exemplo, joga a arma no mar, o que sugere que ela acreditava ter cometido o assassinato, talvez após um disparo equivocado. Mas esse gesto impulsivo só serviu para eliminar a única prova técnica de que não foi ela quem matou Odete. Guardando a arma, por exemplo, um eventual confronto balístico seria a prova cabal de que o disparo não saiu da arma que ela portava.
Com todas as peças em jogo, a novela parece ter se encurralado em sua própria estrutura. Se seguir a lógica interna apresentada na investigação, a resposta está dada: César é o assassino. Qualquer outro desfecho exigirá um “golpe de roteiro” tão mirabolante que pode comprometer a verossimilhança do final. Resta saber se a autora Manuela Dias vai seguir a lógica — ou se vai simplesmente ignorá-la em nome do efeito surpresa.
Até para surpreender todo mundo e Odete aparecer viva – tese levantada, inclusive, por essa coluna – a autora vai ter dificuldades. O corpo saiu do hotel no rabecão. Em casos de homicídio, ele é submetido a uma autópsia no Instituto Médico Legal (IML), onde é reconhecido por um parente e pelas digitais. Portanto, o golpe de Odete teria que envolver ao menos um parente (que assinaria o reconhecimento do corpo), os investigadores, bombeiros, médico legista, auxiliar de necropsia, perito do Instituto Félix Pacheco, além da equipe da funerária.