Bruna Linzmeyer completa 15 anos de carreira, fala sobre beleza fora da normatividade e monogamia em relações hétero: 'Violenta e machista'

Bruna Linzmeyer completa 15 anos de carreira, fala sobre beleza fora da normatividade e monogamia em relações hétero: ‘Violenta e machista’

No ar em série do streaming sobre a epidemia da AIDS, atriz fala sobre namoro com a diretora de futebol feminino Kin Saito: ‘Já teve de tudo’

Há 15 anos, quando ensaiava os primeiros passos como atriz, Bruna Linzmeyer, de 32, já carregava consigo o espírito desviante e combativo que floresceu na infância. Ao surgir em 2010, na minissérie “Afinal, o que querem as mulheres?”, seu primeiro trabalho na TV Globo, os irresistíveis e potentes olhos azuis atravessavam quem estivesse no caminho. Mais tarde, consolidou-se como um talento de sua geração no horário nobre, nas novelas “Insensato coração” (2011), “Amor à vida” (2013), “A força do querer” (2017) e “Pantanal”( 2022). O sucesso trouxe uma inerente curiosidade sobre o íntimo da jovem nascida em Corupá, cidade de 15 mil habitantes no interior de Santa Catarina. Ao falar publicamente sobre ser lésbica e sapatão, transgrediu o que era esperado de uma estrela global: apareceu em capas de revista com os pelos corporais à mostra, nem sempre reproduziu a feminilidade normativa e, corajosa, pagou o preço por suas escolhas.

“Beleza é uma construção social e a vejo em mulheres que não performam a normatividade, com cabelo comprido ou maquiagem”, explica, durante entrevista por chamada de vídeo. “Gosto de transitar pelas possibilidades de ser. Tenho alegria, uma qualidade de vida e conforto no meu próprio corpo. Se isso é desconfortável para outras pessoas, será que é um problema meu?”, questiona.

Apoiadora contundente das causas LGBTQIAPN+, Bruna mergulhou de cabeça e coração na história que retrata o preconceito sofrido pela comunidade no final da década de 1980, assombrada pela Aids. Na minissérie “Máscaras de oxigênio (não) cairão automaticamente”, em cartaz na HBO Max, interpreta Lea, integrante de um time de comissários de bordo que contrabandeava AZT, medicamento proibido no Brasil até 1990 e, na época, o único tratamento disponível contra o vírus HIV. “Hoje, somos o único país do mundo que oferece tratamento gratuito, pelo SUS, e todos os recursos para a prevenção. Ainda assim, muita gente morre em decorrência da AIDS, por estigma, vergonha, culpa”, diz Bruna. “Esse é um problema coletivo, de saúde pública. A série é uma oportunidade para estarmos mais atentos.”

A seguir, os melhores trechos da conversa:

O que sabia da epidemia da AIDS nos anos 1980?
Nasci em 1992, mas cresci com a memória do terror e do quão grave foi. Por pertencer à comunidade LGBTQIAPN+ e em razão da minissérie, aprendi muito mais, como por exemplo, sobre a PrEP e a PEP (medicamentos que previnem a infecção pelo vírus HIV antes e depois da relação sexual. Enquanto a PEP deve ser tomada em até 72 horas após a exposição de risco para evitar a infecção, a PrEP bloqueia os caminhos que o vírus faz para invadir o organismo, oferecendo proteção contínua quando tomada regularmente antes da exposição.

Como foi a construção da personagem?
Tive acesso a algumas entrevistas e conversei com comissárias para entender os anos dourados da aviação. Elas construíam amizades profundas durante um voo Rio-Nova York. A Lea se doa muito para as pessoas, e se arriscava a levar a medicação porque achava que era o certo a ser feito.

Segundo o Ministério da Saúde, houve um aumento dos casos de HIV nos últimos anos. A série servirá como alerta?
Sim, e também como um meio de informação e cuidado coletivo. Aprendemos muito com a Covid: como é um vírus, você tem que cuidar de si e da sua comunidade. A série é uma oportunidade para estarmos mais atentos. A PEP e a PrEP previnem o contágio pelo HIV, mas não outras ISTs, como gonorreia e sífilis. Não conversamos sobre o sexo que fazemos. É um hábito que podemos desenvolver melhor.

Foi acolhida por seus pais quando se entendeu como mulher lésbica?
Mesmo tendo que lidar com as próprias expectativas, o que não é fácil, não senti que meus pais jogaram esse peso em cima de mim. Eles me acolheram, porque queriam me ver feliz para seguir meus sonhos e desejos, além de sustentar as coisas desviantes que eu propunha. Aos 12, queria sair de Corupá; eles guardaram dinheiro e deram a ideia de eu ser modelo. Também entenderam que ser sapatão era parte do que sou e algo importante para mim.

Já declarou que poderia ter mais dinheiro e trabalhos se não fosse lésbica ou falasse sobre o assunto. Ter momentos em que não performava a feminilidade fechou portas para a publicidade?
Pode ser, mas não tenho experiências concretas. Negocio minha presença enquanto mulher que se relaciona com outras e a forma como me visto e quero ser vista. É um equilíbrio, porque preciso de dinheiro. A feminilidade normativa está conectada a um lugar comercial, de visibilidade, e a beleza é uma construção social. Mas coloco na balança a alegria, a qualidade de vida, o conforto que tenho com meu corpo. Se é desconfortável para os outros, será que é problema meu? Vejo beleza em mulheres que não performam a normatividade, com cabelo comprido ou maquiagem. Gosto de transitar pelas possibilidades de ser, trato minha sexualidade com leveza e alegria (chora). Eu me emociono porque a alegria é frágil. Cuido bem dela.

Como lida com o ódio das redes?
Questionando, de novo: “Será que é problema meu?”. Tenho trocas bacanas no Instagram, leio os comentários. Mas sobre o ódio que as pessoas sentem, isso diz mais sobre elas do que sobre mim. Delas, eu sinto dó.

Em 2014 sofreu lesbofobia por uma psicanalista. Ressignificou a análise?
Super! Comecei a análise com ela e parei em 2018, quando a processei no Conselho Regional de Psicologia. Segui fazendo terapia, porque existem bons e maus profissionais em todas as áreas. Mas isso fala muito sobre como temos que estar atentas e não entregar nossa autonomia ao outro. Ninguém nos conhece mais do que nós mesmas.

Por quais outras violências foi atravessada?
Violências acontecem todos os dias, mas é cansativo me colocar como uma mulher lésbica com algo relacionado à dor ou superação. Me pergunto porque a dor vende tanto. Por exemplo, nos filmes lésbicos de muitos anos atrás, o casal sempre morria ou não ficava junto. Isso existe, mas o que mais? Tem o lugar da alegria! Prefiro valorizar a potência do que as complicações.

Você namora a diretora de futebol feminino kin saito. o que pensa da não-monogamia? Onde sua relação se encaixa?
Estamos juntas há dois anos, ela mora em São Paulo, e eu no Rio, e já teve de tudo, mas prefiro não dar detalhes. Fico feliz que estejamos mais aptas a questionar. Já estive com uma pessoa em que, às vezes, cabia ficarmos com outras, às vezes, não. Mas é comum ouvir histórias de casais heterossexuais monogâmicos, em que o homem trai. É uma monogamia violenta e machista.

Em entrevista à ELA em 2022, comentou que não queria ser mãe. Mudou de ideia?
Desde criança nunca tive o desejo de gestar. Quando eu tinha 2 anos, minha mãe adotou uma filha, a Alê (já falecida). Ela tinha 17 anos na época, e era prima do padre da igreja da cidade. Além do maternar do meu irmão, Helder, de 42 anos, essa também foi uma referência, de acolher alguém mais velho. Se algum dia isso acontecer comigo, quem sabe.

Você está completando 15 anos de carreira. Foi tudo como imaginava?
Os papéis que construí, a profundidade e a qualidade das personagens, pessoas e afetos que encontrei pelo caminho… Fiz esse trânsito entre a televisão, o cinema mainstream e independente, de mulheres não-brancas e não-héteros, fora do eixo Rio-São Paulo. Então, transito bem entre esses dois mundos e tenho muito orgulho, porque sempre me trazem desafios diferentes. Uma jornada muito mais linda e incrível do que imaginei.

Nas fotos ela me lembrou a Nancy, de Jovens Bruxas.

Mona? Que beleza fora da normatividade são essas

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eu quando minha beleza não é tradicional

A “beleza” dela = olhos azuis kkkkk

O cabelo no sovaco more
Ela quebrando todos os tabus da normatividade

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