Cláudia Abreu rebate etarismo em comentários sobre aparência: ‘Idade é um número’
No ar em “Dona de mim”, da TV Globo, atriz volta ao teatro em outubro e vai estrear como diretora de documentário no ano que vem
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03/08/2025 04h30 Atualizado agora
Cláudia Abreu tinha apenas 20 anos quando Antônio Abujamra (1932-2015) a escalou para a peça “Um certo Hamlet”, no início dos anos 1990. Ao perguntá-lo se a personagem seria Ofélia, foi surpreendida: o diretor paulistano havia reservado a ela justamente o protagonista da tragédia de William Shakespeare. “Lembro-me de dizer: ‘Você está louco?’. E aí, ele me desafiou: ‘Quer fazer os papéis fáceis? É isso que vai fazer de você uma atriz interessante”, narra a carioca, que raspou a cabeça e mergulhou no projeto. “Foi uma experiência incrível, de risco, medo, entrega e dificuldade.”
Mais de três décadas depois, a atriz, de 54 anos, segue desbravando o ofício com o mesmo ímpeto. “Quando penso na nossa profissão, já não tenho medo da vida. Sinto um prazer absoluto em retratar o ser humano, a realidade e me reconhecer através disso”, afirma, com a agenda tomada por trabalhos entre teatro, cinema e TV. Um deles é Filipa, personagem interpretada em “Dona de mim”, novela das sete da TV Globo, cuja tônica é a bipolaridade.
Um tema complexo e que tem rendido elogios a Cláudia pela maneira como conduz as cenas marcadas pelas oscilações comportamentais provocadas pelo transtorno. “Escrever finalmente para uma gigante como a Cacau é um privilégio e um desafio”, afirma a criadora do folhetim, Rosane Svartman. “Acompanho com alegria como constrói a personagem junto com a gente.”
A construção, afirma a atriz, é costurada a partir de longas conversas com seu analista, além da própria observação cotidiana. “Conheço pessoas com essa condição e sei o quanto traz sofrimento para elas próprias. Afinal, não escolheram ser assim e, muitas vezes, são incompreendidas”, comenta. “É muito interessante trabalhar isso numa novela porque é um serviço. E, quando se trata de uma mulher, é logo colocada na caixinha de histérica. Mas, com ajuda terapêutica e medicamentosa, a pessoa pode ficar bem, de uma maneira viável, controlada, sem tanta agressividade e depressão.”
Não é a primeira vez que Cláudia mergulha em temáticas relacionadas à saúde mental. Interpretou uma psiquiatra na peça “Pi — Panorâmica insana” (2019) e desbravou o conturbado universo da escritora britânica Virginia Woolf (1882-1941), no monólogo “Virginia” (2022). Este último, um sucesso de público, marcou a estreia da carioca como autora e passou por diferentes cidades brasileiras, além de Guanajuato, no México, e Lisboa, em Portugal. “Alguma coisa tem me levado a investigar esse tema”, diz. “Acho que precisamos ficar atentos porque trabalhamos muito, há muitas cobranças, além da hiperestimulação com os telefones.”
“Virginia”, avisa, é um espetáculo que pretende retomar em breve. Antes, volta aos palcos com a temporada paulistana de “Os mambembes” no Teatro Tuca, em outubro. A adaptação do clássico do dramaturgo Artur Azevedo (1855-1908) narra a saga de uma trupe de atores viajando pelo Brasil e seus esforços para manter a companhia. Na montagem, dirigida por Emílio de Mello e Gustavo Guenzburger, Cláudia contracena com Deborah Evelyn, Júlia Lemmertz, Paulo Betti, Leandro Santanna e Orã Figueiredo. “Fala muito sobre a nossa paixão por representar e estar no teatro”, comenta a atriz. “Isso foi potencializado pelo boicote que nossa classe sofreu no último governo, em que tentaram nos diminuir.”
Antes de ganhar os palcos, o espetáculo “Os mambembes” viajou por nove cidades, entre Pará, Maranhão, Minas Gerais e Espírito Santo, onde foi apresentado, gratuitamente, em locais públicos para milhares de pessoas. Uma experiência inédita na vida de Cláudia, que nunca havia feito teatro de rua e excursionou com os colegas a bordo de um ônibus. A jornada envolveu viagens de até 10 horas e perrengues de diversas naturezas, dos problemas técnicos com o veículo (também usado como cenário) à falta de apoio por prefeituras pouco afeitas à cultura.
Um dos momentos mais emblemáticos, conta Emílio de Mello, se deu em Marabá, no Pará, onde um padre não queria permitir a montagem da peça numa determinada praça. Alegava ter programado uma quermesse para o local e estava irredutível nas negociações. “Ele mandou um assessor conversar comigo, e aquilo já estava quase me tirando do sério”, recorda-se o diretor. “A Cláudia percebeu a situação, pediu para eu ir tomar um café e foi até o padre. Quando vi, já estavam tirando fotos juntos. Apresentamos como queríamos.”
Os detalhes da incursão, adianta a atriz, vão estar num documentário dirigido por ela, cujo lançamento está previsto para 2026. “Sabia que ia ser uma experiência forte”, comenta. “Fomos a cidades que, em alguns casos, nem tinham teatro. Tivemos uma oportunidade muito rica para conhecermos o Brasil e a nossa diversidade cultural.”
Assinar a direção de uma obra cinematográfica é outro fato inédito neste currículo de quase quatro décadas, com direito a uma graduação em Filosofia no meio. Algo que não só revela o quanto ela mantém vivo o apreço por desafios como traduz o seu estado de espírito a esta altura da vida. A maturidade, reconhece, tem lhe caído bem. “É uma fase muito boa porque já não há tanta ansiedade em construir carreira, família. Brinco que estou rejuvenescendo. É como se estivesse começando a vida de novo, com outra perspectiva e leveza.”
Cláudia foi casada por 25 anos com o diretor José Henrique Fonseca, com quem teve quatro filhos: Maria, 24, Felipa, 18, José Joaquim, 15, e Pedro Henrique, 13. O fim do relacionamento, em 2022, foi atravessado, segundo ela, com “inteligência emocional”. “Mantivemos uma relação ótima, somos superamigos e parceiros de vida. Você precisa ter essa inteligência para lidar com as transformações da idade, do corpo, das amizades. Acho pobre se agarrar a algo, com medo de mudança”, afirma. “Há também essa novidade que é a qualidade do tempo comigo mesma. O prazer da solitude é muito bom.”
São momentos que aproveita para mergulhar num rio ou observar a floração das árvores em seu sítio, na Região Serrana do Rio. “Adoro essas coisas porque nos ligam a uma vida simples. Na nossa profissão, é muito importante se desconectar do ego, não se levar tão a sério.” O mesmo estilo low profile vem à tona quando o assunto é envelhecimento. “Digo que você envelhece pelo olhar do outro. Se não falassem para mim coisas do tipo ‘você está ótima para a sua idade’, eu não pensaria sobre isso. Claro que gosto de ouvir que estou bem, mas há um etarismo nesse comentário. Idade é um número. Ser feliz é um estado de espírito.”
A leveza na alma reverbera também a respiração aliviada de alguém que, como ela mesma diz, precisou amadurecer muito cedo. Cláudia estreou na TV aos 16 anos, numa época em que não existia compliance e coordenação de intimidade. Desenvolveu, então, os próprios mecanismos de defesa. Nunca aceitou papéis em que considerasse gratuita a exploração do corpo e soube definir os limites, ao observar o comportamento abusivo de um diretor no set. “Ele ficava muito nervoso com as pessoas, e eu, muito nova, o chamei num canto e disse: ‘Se eu vacilar, me chama atenção sozinha, que não vai se repetir. Mas, se fizer da maneira como vi fazer com outras pessoas, não volto mais’”, relembra. “Não queria passar por aquela humilhação ou viver aterrorizada.”
São atitudes que espelham uma das suas principais inspirações: a mãe, Regina. “Uma mulher que se casou, deu errado e teve a coragem de se separar no meio de uma família burguesa tradicional, com três filhos pequenos. Foi um exemplo muito feminista”, reconhece a atriz. “Não se intimidou diante das adversidades e conseguiu ser fiel a ela mesma, sendo livre e batalhadora. Mesmo com grana de família, trabalhou a vida inteira, criou os filhos praticamente sozinha.”
Exercer a maternidade, por sua vez, é algo que faz os olhos de Cláudia brilharem. “Tive quatro filhos em dez anos e sou mãe há 24”, contabiliza, salientando a importância de manter um diálogo franco e constante com todos. “Ao educar alguém, você coloca à prova seus preconceitos, escolhas e visão de mundo. Você se reavalia o tempo inteiro. Conversamos sobre tudo abertamente. É claro que há coisas que vão querer falar apenas com os amigos. Mas jamais vão poder dizer que faltou diálogo em casa.”
Nem inspiração. Afinal, diante deles, há uma mulher que goza de sua plenitude: “Jovem, casada ou separada, sempre tive desejo pela vida. E continuo fiel a esse lugar”.