Debora Bloch fala sobre Odete Roitman, a vilã de ‘Vale tudo’: ‘É, infelizmente, superatual’
Atriz também revê trajetória profissional e analisa maturidade: ‘Uma bênção, me sinto melhor hoje’
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09/03/2025 04h30 Atualizado agora
A voz de Debora Bloch soa familiar no apartamento iluminado do Jardim Botânico, onde a atriz recebe a Revista ELA para uma entrevista intimista, acompanhada de café fresco e silêncio ao redor. O timbre inconfundível da atriz mineira de 61 anos acompanha os brasileiros desde a sua estreia no teatro, em 1980, na peça “Rasga coração”, de Oduvaldo Vianna Filho. A partir de então, a filha do ator Jonas Bloch nunca mais parou. Debutou na TV Globo na novela “Jogo da vida” (1981) e explodiu no cinema dando vida à protagonista do filme “Bete Balanço” (1984), de Lael Rodrigues. O musical, sucesso de bilheteria, retratou uma parcela inquieta da juventude carioca e consolidou o casamento do cinema nacional com o então efervescente Rock Brasil. “A minha geração era adolescente na redemocratização do país, quando o Brasil voltou a ser um lugar possível para os jovens. Foi uma época boa, a gente inaugurou, em 1982, o Circo Voador, no Arpoador. Eram grupos de teatro alternativos, bandas… Carregávamos a herança do tropicalismo, de artistas que resistiram bravamente à ditadura militar”, conta.
Por ter participado ativamente dessa reconquista de território, e também acreditado em dias melhores, Debora considera desafiador viver Odete Roitman em “Vale tudo”, cuja versão original, escrita por Gilberto Braga, foi ao ar em 1988. O remake, adaptado por Manuelas Dias, estreia dia 31 deste mês e traz de volta uma das maiores vilãs da TV brasileira e que tem o preconceito como bandeira. Odete, diz Debora, “infelizmente, está superatual”. “Quando a gente pensou que ia viver a volta de ideias tão conservadoras e autoritárias?”, questiona.
Em cerca de duas horas de entrevista, a atriz vai e volta no tempo, tece reflexões sobre temas como envelhecimento e assédio, fala sobre casamento e sexo na maturidade e revela o que considera luxo em 2025. A seguir, os melhores trechos da conversa.
Quem Odete Roitman representa no Brasil de hoje?
A nossa herança colonial e escravagista e revela como o Brasil foi fundado por uma elite que não se importa com o país, apenas com seus próprios interesses e privilégios. Em outras nações, as classes mais altas são mais comprometidas com o bem-estar coletivo. Odete encarna a elite do atraso. Ela reclama que o Brasil é um país subdesenvolvido, mas não percebe que o pensamento dela que é responsável por isso. Trinta e sete anos atrás, já representava um pensamento retrógrado, uma visão de mundo pouco humanista, focada no lucro e na meritocracia. Quando a gente pensou que ia viver a volta de ideias tão conservadoras e autoritárias? Odete, infelizmente, é superatual.
Você se reconhece em algum traço dela?
Está aí uma personagem totalmente diferente de mim. O texto é muito bom e estudá-lo é um barato, acabo me divertindo com a personagem. Ela tem certa inteligência e um sarcasmo que traz humor. Também não convivo com mulheres como Odete, mas claro que conheço algumas. Costumam ser prepotentes, narcisistas e jogam com o poder e o dinheiro. Sei bem como funcionam. Na parte da caracterização, uso um cabelo engraçadíssimo, parece um capacete. Quando me vejo pronta, tenho acessos de riso. Não tem nada a ver comigo.
Você tem mais de quatro décadas de carreira de sucesso no teatro, no cinema e na TV. Como enxerga o mercado pós-streaming?
Acho que o streaming prometeu mais do que cumpriu. Precisamos de mais diversidade na produção. Percebo que está repetindo a TV aberta, investindo em novela, o que é uma pena. A TV aberta é muito forte na nossa cultura. Em 2018, fui gravar a série “Onde nascem os fortes”, no sertão do Cariri. Não tinha nada ao redor, mas a novela chegava lá, em lugares em que as pessoas não têm acesso a peças teatrais, shows ou filmes. Funciona como um alívio para quem trabalha duro o dia inteiro. É bonito isso.
Como é a sua relação com as redes sociais?
Sinto claramente que faço parte de outra geração. Me formei no teatro e fui muito cedo para a TV. Sempre estive entre esses dois lugares. Aí vieram a internet e, depois, as redes sociais, que criaram outro jeito de funcionar. Observo que, para muitos atores jovens, estar em cena e criar conteúdo é como se fosse uma coisa só. Quando estou na gravação, fico concentrada no meu texto, não consigo me registrar nos bastidores, é uma incapacidade minha. Estou buscando uma maneira de estar inserida nesse canal, que faz parte da nossa época, de um jeito que não seja estranho para mim. Mas a nossa profissão não tem nada a ver com o número de seguidores. Às vezes, acho triste ver um ator jovem mais dedicado à rede social do que ao estudo do próprio ofício.
Você viveu intensamente os anos 1980. Como lidou com as drogas naquela época?
Sempre fui pé no chão. Comecei a trabalhar cedo, aos 17 anos, e já tinha responsabilidades. Mas, num determinado período, embarquei na onda. Tive meu momento de experimentar e depois saí dele, felizmente.
Olhando em retrospecto, identifica situações de abuso na profissão?
Sim. Sentia um desconforto em determinadas situações, mas, naquele tempo, não sabia nomeá-las. Hoje, olho para trás e entendo por que certos episódios me provocaram tanto mal-estar. Existia assédio no trabalho e na vida. Vivi relações abusivas e tóxicas, com namorados, no ambiente de trabalho e com amigos. O assédio, moral e sexual, era normalizado. A gente escapava com “jeitinho”. Nunca vivi uma situação de assédio sexual explícito.
Você se casou novamente em 2018. Qual é o sabor do casamento nessa fase da vida?
É muito melhor. Há mais maturidade e menos expectativa. Quando conheci meu marido (o produtor português João Nuno Martins), estava amando ser solteira. Vinha de duas décadas entre namoros e casamentos (o primeiro com o diretor de fotografia Edgard Moura e, depois, com o chef Olivier Anquier, com quem teve dois filhos, Julia, de 31, e Hugo, de 27) e, de repente, fiquei solteira. No começo, foi estranho, mas depois senti uma liberdade maravilhosa. Quando estava gostando mais, me apaixonei e me casei (risos). No início, nos dividíamos entre o Brasil e Portugal. Mas agora ele veio morar no Rio e estamos sob o mesmo teto.
E o sexo, melhora?
O sexo muda. É totalmente fake news relacionar a menopausa com o fim da vida sexual. Isso eu acho interessante na Odete: já na primeira versão da novela, ela tinha amantes e vida sexual ativa, mas era tudo insinuado. No remake, a personagem vai se relacionar com homens mais jovens. Agora, a mulher de 60 anos é colocada para jogo. Não é o caso da Odete, mas as maduras também estão no jogo para relações afetivas. Me apaixonei aos 55 anos. Podemos recomeçar e ser potentes em todas as idades.
Como encara a passagem do tempo?
Acho a maturidade uma bênção. Não só por estar viva e com saúde. Me sinto mais calma e menos ansiosa. Nessa fase, já encontrei quem sou e até quem não sou. Há menos certezas, a gente fica mais humilde mesmo. Me sinto melhor hoje do que quando era garota.
Qual é o seu conceito de luxo?
Água limpa e floresta em pé. Tenho um sítio perto de Araras, onde passo o dia inteiro cuidando de plantas. Adoro ficar no mato. Luxo é isso. E saúde acima de tudo.
Edição de Moda: Antonio Frajado. Beleza: Daniel Hernandez. Assistente de beleza: Ricardo Leal. Produção de moda: Luiza Bichir e Duda Zanetti. Assistência de fotografia: Bia Garbieri e Stefany Villar. Produção executiva: Kariny Grativol.