Entrevista de Lana Del Rey para a Vogue Itália

Em um certo ponto de sua juventude, Elizabeth Grant viu as luzes de Lake Placid, no Condado de Essex, piscarem e desaparecerem através de serpentinas cintilantes pela última vez. Ela as veria novamente, depois de se mudar para Nova York e depois para Londres, antes de retornar para se tornar conhecida por todos como Lana Del Rey. “Eu tenho um vídeo antigo de um namorado falando comigo no carro, de muito tempo atrás. Ele estava apenas fingindo que eu estava dando uma entrevista depois de me tornar famosa. Lembro que eu estava muito eu mesma naquele momento, não na defensiva. Ele me pergunta o que eu teria feito se não tivesse me tornado uma cantora. É assim que eu abriria um filme sobre minha vida.” Mas, nos últimos anos, ela tem esperado que ninguém tenha a ideia de fazê-lo. “Há tantos motivos para isso. Eu sinto que esses filmes são feitos para pessoas que querem que eles sejam feitos. E há tanta coisa que as pessoas não sabem, porque há tanta coisa da minha vida que não quero dizer. Talvez eu faça isso sozinha”.

Estou falando com Elizabeth — Lizzy para seu pai, Lana para o mundo que a venera como uma santa — enquanto ela está no LAX com uma regata cinza, seu cabelo loiro do sol de agosto e do ar salgado, embora ela esteja pensando em “voltar para o escuro” novamente até o final do ano. “Acabei de encontrar Charlie (seu irmão, Charles) e sua esposa. É um bom momento para mim, ele está bem, e minha irmã também. É mais fácil ser positiva quando a família está bem”. Poucos dias depois, Lana voaria para Paris e para o Reading & Leeds Festival na Inglaterra, fazendo uma das apresentações mais intensas da nova turnê, incluindo a parte em que seu microfone foi cortado e ela ficou no palco, assistindo silenciosamente aos fogos de artifício.

Artista celebrada, ícone, garota canela, garota triste, musa de Alessandro Michele para a Gucci, pioneira do pop alternativo e criadora de uma estética distinta de “Old Hollywood” que a cerca desde sua estreia em 2012 aos 27 anos com Born to Die. Lana Del Rey cresceu com histórias que se tornaram nossas histórias porque, de certa forma, ela as moldou para nós. Ao se colocar no centro de suas próprias experiências, ela encontrou a inspiração para transformá-las em harmonia, tornando-se a voz de uma geração. Ela pretende fazer isso de novo com Lasso, seu novo álbum nascido do tempo que ela passou entre o Mississippi e o Arkansas, embora, enquanto falamos, ainda esteja em produção e possa até acabar com um nome diferente. “Tinha muito ‘estilo de narrativa americana’. Coloquei em espera porque não me reconheci nele. Originalmente, eu e a gravadora estávamos animados porque a energia da música do álbum era para refletir minha nova vida. Agora, não tenho tanta certeza, mas geralmente sou muito boa com meu próprio ritmo. Posso transformá-lo em algo mais “gótico do sul”, como era para ser desde o início, e menos country.” Recentemente, quando ela ouve singles como Ride e Video Games, faixas que deram a seus fãs o suficiente para construir personalidades inteiras em torno dela, ela sente uma certa desconexão. “Estou entrando em uma nova era. Aconteceu também com Chemtrails over the country club e Blue Banisters, fiz esses álbuns sozinha. Tem muito a ver com viver em Oklahoma e me sentir diferente. Meus olhos viram tantos espaços abertos, senti o vento, e esse é o tipo de energia sobre a qual quero falar agora.”

“Linda, misteriosa, assustadora, invariavelmente fatal. Assim como a vida.” Esse foi o slogan de The Virgin Suicides, lançado em 1999 por Sofia Coppola, um dos filmes favoritos de Del Rey. Ela parece ter sempre compartilhado a mesma lente pela qual Coppola retrata jovens mulheres tentando se manter vivas. “Nós nos conhecemos em um verão por meio de Gia Coppola, sua prima. Gia é boa amiga dos meus amigos, todos eles têm filhos que brincam juntos. Sofia me pediu para escrever algumas músicas para um filme que ela estava dirigindo, Priscilla. Fiquei emocionada, mas, como sempre, quando tenho um prazo, esperei até o último minuto.” Ela não conseguiu cumprir o prazo, mas assistindo ao filme sobre a Sra. Presley, que tem sido uma fonte de inspiração para Del Rey desde o início – seu cabelo e maquiagem no Echo Music Awards de 2013, sua abordagem lânguida e sonhadora da vida – ela viu um paralelo com seu próprio trabalho. “Eu penso nas minhas músicas como se fossem filmes. Flashbacks, cortes, memórias, com um monólogo em andamento. Cinema sempre foi uma coisa de família. Eu penso na infância, todas essas pessoas com câmeras gigantes filmando eu, minha irmã e meu irmão. Eles capturaram todos os meus Natais. E minha irmã se tornou uma fotógrafa talentosa. Ela é a responsável pela maioria das imagens que você vê de mim.”

As imagens nesta página, no entanto, foram tiradas por Steven Meisel em Nova York e inspiradas por uma sessão de fotos que ele fez com Sofia Coppola para a Vogue Itália em 2014. É seguro dizer que isso representa um marco pessoal para Del Rey, porque desde que ela era adolescente, ela encontrava qualquer maneira de chegar à maior cidade além de Lake Placid apenas para comprar uma cópia da nossa revista: “Meus amigos e eu costumávamos chamá-la de Vogue Itália, e pendurávamos as fotos nas paredes do nosso quarto. Lembro-me de pensar: se algo acontecesse e eu me tornasse alguém, eu gostaria de ser fotografada por Meisel, porque ele segue sua intuição como eu, quando ele está pronto, você precisa estar pronta também. E eu esperei, esperei e esperei. No set, ouvimos a trilha sonora de Giorgio Moroder para Cat People de Paul Schrader.”

Esta é sua segunda capa da Vogue, após sua primeira capa por Steven Klein em 2019. “Naquela época, eu me perguntava se essas fotos teriam sido aprovadas por Franca Sozzani e Francesco (Carrozzini, com quem ela namorou de 2014 a 2015, ed.).” Ela sorri.

No carro, quando aquele cara perguntou a ela naquele pequeno vídeo que ela ainda guarda, ela respondeu que não conseguia se imaginar fazendo outra coisa além de cantar. “Eu era a líder do coral da minha igreja desde os 12 anos. Eu morava nesta pequena cidade com 700 pessoas. Nós nos mudamos para lá quando eu tinha um ano de idade, e eu fui para a escola com as mesmas pessoas. Aos 15, eu tive o momento mais louco e maravilhoso. Foi a primeira vez que me deixaram sair sozinha, cometer erros, sonhar. Comecei a aceitar aqueles empregos que você faz quando ainda é criança, garçonete, recepcionista. Eu estava tão animada que poderia até ver minha vida inteira em Lake Placid. Mas eu queria uma vida como cantora.” Então ela acabou em uma nova escola particular em Duluth, Minnesota, “a cidade mais fria da América”. Elizabeth Grant não conhecia ninguém, e foi o pior momento de sua vida. Então ela escapou para Nova York, onde o indie rock de Phosphorescent e Edward Sharpe, The Strokes e Tv on the Radio dominavam a cena de clubes em que ela também se apresentava, sem que ninguém prestasse atenção. Dos 19 aos 25 anos, ela morou no Bronx e no Brooklyn, “um dos meus períodos mais sombrios”, até que, depois de uma série de empresários – “dois mais jovens e dois mais famosos e velhos” – ela conheceu Ben Mawson e se mudou para Londres. “Minha estética, meu desejo, nada disso havia mudado desde os anos em Nova York. Eu ainda me chamava de Lizzy Grant, mas eu podia sentir que algo diferente estava acontecendo.” Porque Lana Del Rey não nasceu como um mecanismo de defesa contra o mundo. Em vez disso, ela surgiu de um amor pelas atmosferas de Nova Orleans e da Costa Oeste, onde agora dirige por horas, rendendo-se aos mesmos céus ocidentais capturados por Wim Wenders, cantando sobre seu corpo como se fosse um mapa da Sierra Madre (Arcadia, 2021). “Quando eu era criança, não sabia muito sobre música, mas sabia muito sobre atrizes. E eu queria o nome de uma atriz.” Ergo, Lana, como em Lana Turner. E Del Rey, como em Delray Beach, Flórida. “Era como se o oceano já estivesse embutido no meu nome.”

Depois de nove álbuns incríveis, uma coleção de poesias e uma consagração definitiva no TikTok por uma nova geração de fãs que devoraram seu último lançamento (Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd), aos 39 anos Lana Del Rey não sente mais nenhuma pressão. Ela fala com uma voz calma e segura, totalmente ciente de que tudo o que a trouxe até aqui a levou de volta a si mesma. “As pessoas costumavam achar que minhas letras eram problemáticas, mas agora todo cantor está abrindo seus corações. Acho que isso é uma coisa boa. Talvez se eu tivesse começado agora em vez de 12 anos atrás, eu seria uma verdadeira poetisa da dor e não teria sofrido tanto.” Sempre houve um ar de mistério ao redor dela e, em outros, uma necessidade sombria de cavar em busca de sua fonte. “É horrível quando alguém quer ver em suas sombras tentando encontrar algo. A maioria das pessoas deve saber que estou me conectando com minhas sombras, e está tudo bem, mas para algumas pessoas é quase como uma obsessão. E eu fui pega nisso. Um pouco como Ofélia ou Julieta. É como um acidente de carro que as pessoas não conseguem evitar de parar e olhar. Talvez tenha sido Freud quem disse que 30% do que você pensa sobre si mesmo é realmente apenas o que você ouviu os outros dizerem sobre você. É por isso que tenho sido muito cuidadosa e consciente, especialmente nos últimos anos. Eu não queria acabar como aquele carro. Eu não queria me tornar Ofélia. Tudo o que eu sempre quis dela foram as flores.”

Lana Del Rey, Elizabeth Grant, mudou dia após dia, perdendo partes de si mesma como pétalas. As mesmas que seus fãs levam para os shows e depois espalham nas ruas do lado de fora das arenas e locais suburbanos como feitiços de encantamento. É um fenômeno de extrema devoção e magia, muito parecido com o que aconteceu com artistas como Stevie Nicks, para aqueles que buscavam uma experiência mística por meio deles. “Soletrar uma palavra, dividindo-a em letras, vem da mesma raiz de ‘feitiço’” (Nota de tradução: spell que é “feitiço” em inglês também significa “soletrar”). Ela me diz que pensa sobre isso com frequência. “É como lançar um feitiço, instilar uma espécie de magia nos outros. Quero que toda a minha vida, e tudo o que canto, seja o resultado positivo de algo. Acredito em magia porque, para mim, significa ser otimista, ter esperança e ser capaz de compartilhá-la.” Hope Is a Dangerous Thing for a Woman Like Me to Have, but I Have It, diz um dos títulos de suas músicas mais famosas. “Esperança é poder. Qualquer um que já tenha sido religioso fez o que hoje chamamos de “manifestação” porque tinha fé. Eles viram o céu onde não havia nenhum.” É isso que é o amor, como a cena de Cat People em que a atriz diz algo como somos só você e eu, e enquanto estivermos aqui, há esperança. “A maioria das pessoas que conheci queria que Hollywood fosse a terceira parte do nosso relacionamento. Quando eu me casar, será com alguém que, como eu, acredita que o amor é o suficiente. Eu serei o suficiente para ele, e ele será o suficiente para mim. Alguém para ter filhos se isso acontecer, ou apenas amigos. Quero que seja simples, preciso estar com alguém que queira planejar ficar em casa comigo. O amor é para ser salvo e isso é mágico.”

Um mês após essa conversa, Lana Del Rey se casou com o guia natural Jeremy Dufrene. Aconteceu em uma quinta-feira tranquila de setembro, nas margens de um pântano da Louisiana, com apenas alguns amigos próximos presentes. Nas redes sociais, vimos a filmagem, roubada de outra câmera, e lemos os comentários de seus fãs: “Lana sempre foi isso. Ela é tão real.”

Na capa da edição de novembro de 2024 da Vogue Itália, Lana Del Rey usa um lenço preto que a aproxima de uma figura mitológica sobre a qual também canta: «Deve ser a estação da bruxa»

Pode ser que estejamos oficialmente na chamada “temporada assustadora” e que faltem apenas alguns dias para o Halloween, mas uma das músicas mais virais de Lana Del Rey nas redes sociais no momento é Season of the Witch, dos anos 60. cover originalmente cantada pelo cantor e compositor escocês Donovan e reinterpretada pela artista norte-americana em 2021, tendo em vista o lançamento do filme de terror Scary Stories To Tell In The Dark. Na verdade, não é por acaso que na capa da Vogue Italia de novembro de 2024 Del Rey apareça vestida de preto com um lenço da mesma cor na cabeça: é uma homenagem a essa figura mitológica, justamente a bruxa, que mais do que tudo parece levar de volta a ela.

Quando o filme The Love Witch foi lançado em 2016, os fãs de Del Rey perceberam imediatamente a semelhança entre a cantora e a protagonista, a bruxa Elaine: nos movimentos, no tom de voz, na obsessão pelo amor (assunto explorado pela artista de todas as maneiras possíveis): «Era uma vez que as pessoas pensavam que as minhas letras eram um problema, mas agora todos os cantores “descascam” o coração como uma maçã», declarou Del Rey na entrevista à Vogue Itália. Ainda hoje, 8 anos após o lançamento de The Love Witch, o primeiro comentário que se pode ler na secção de crítica do filme no Letterboxd é «é assim que imagino que Lana Del Rey viva a sua vida».

É claro que a obsessão de Lana Del Rey pelo amor tem implicações decididamente mais positivas do que as da personagem Elaine, que sempre acaba levando à morte quem se apaixona por ela. O amor sobre o qual Del Rey canta em seus álbuns, muitas vezes atormentado ou idealizado, tem sido capaz de gerar mais arte, inspirando colegas como Billie Eilish e Taylor Swift – que a mencionam regularmente em seus discursos de aceitação nos prêmios. As músicas que compõem esses discos têm sido trilha sonora de sabe-se lá quantos outros amores, correspondidos ou não. Se o maldito Norman Rockwell tem sido persistentemente consumido por qualquer um que tenha lidado com pessoas emocionalmente imaturas, Chemtrails Over the Country Club é provavelmente o favorito de quem encontrou serenidade nos braços de quem ama.

Diferentemente da protagonista de The Love Witch, portanto, o encantamento, ou encantamento, de Lana se dá por meio de sua música. Suas letras, sua sonoridade e até mesmo seu estilo são capazes de transportar os ouvintes para uma realidade alternativa, que pouco tem a ver com a racionalidade terrena.

A opinião de Lana Del Rey sobre magia

Del Rey sublinhou diversas vezes como suas palavras, se usadas da maneira correta, podem ter o mesmo efeito de um feitiço. Aconteceu pela primeira vez em 2017, numa entrevista à NMW Magazine: «Estou de acordo com Yoko Ono e John Lennon, com a sua crença de que a vibração de um pensamento tem poder. Os pensamentos são extremamente poderosos e se tornam palavras, e as palavras se tornam ações, e as ações levam a mudanças físicas.” Conceito muito semelhante foi reiterado na entrevista de capa concedida à Vogue Itália para a edição de novembro de 2024: «Soletrar uma palavra, dividindo-a em letras, vem da mesma raiz de “feitiço” (Olhar nota de tradução acima), ou seja, incutir nos outros um feitiço. Quero que toda a minha vida e tudo que canto seja o resultado positivo de alguma coisa. Acredito na magia porque para mim significa ser otimista, ter esperança e ser capaz de incuti-la."

https://x.com/ldraddic/status/1851297525187162267

@Lanatics

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Entrevista gigante, mas falou muita coisa

Nossa, amei a entrevista. A Lana é com certeza uma das artistas que vai ser consumida por gerações adentro, simplesmente uma das mais influentes hoje em dia; e de imaginar que foi super massacrada no começo.