FOLHA: Como o country, com drag queens e Beyoncé, virou um campo de batalha política e anti racista

A cantora Beyoncé em ensaio do álbum 'Cowboy Carter', o oitavo de sua carreira

Na capa de seu último disco, “Cowboy Carter”, Beyoncé empunha a bandeira dos Estados Unidos, montada em um cavalo e com um chapéu de caubói. “Disseram que eu não era country o suficiente/ o que é isso aqui, então?”, ela diz na faixa de abertura, “Ameriican Requiem”, algo como luto americano.

Na turnê dedicada a este álbum, em curso no hemisfério Norte, Beyoncé tenta romper a ligação entre a música country e o conservadorismo, junto com uma série de artistas jovens, a maioria não brancos e LGBTQIA+.

Historicamente atrelado à branquitude, à masculinidade e à ala mais conservadora da sociedade americana, o estilo musical se tornou alvo de disputa entre esses artistas e os mais tradicionais. Beyoncé venceu o troféu de melhor disco country na última edição do Grammy, o prêmio mais importante da música, tornando-se a primeira pessoa negra laureada nesta categoria, que existe há quase 60 anos.

“Vamos atrás dela. Essa porcaria não é country nem nunca será”, afirmou Gavin Adcock, um dos novos nomes do country, mas mais tradicionalista, no rastro de um movimento iniciado por outro artista da mesma seara, Dylan Scott, que chamou a premiação de uma farsa.

No lado oposto dessa arena está Dolly Parton, que emprestou a “Cowboy Carter” seu megahit “Jolene”, repaginado por Beyoncé, que também recebeu a bênção de Willie Nelson e Shania Twain, figuras importantes do country, além de Linda Martell, pioneira negra no gênero.

Essa briga levou a uma mudança no Grammy, que a partir do próximo ano vai premiar dois discos de country —um contemporâneo e um tradicional. A mudança, na opinião de vários profissionais da indústria, só aconteceu para apagar o rastro deixado pela vitória polêmica de Beyoncé, depois ainda que Lil Nas X, negro e gay, viu seu primeiro hit, “Old Town Road”, ser removido da parada de country da Billboard, sob a justificativa de que a faixa não tinha elementos suficientes desse gênero.

A artista musical Beyoncé, à direita, e a candidata democrata à presidência, a vice-presidente Kamala Harris, à esquerda, abraçam-se no palco durante um comício de campanha na sexta-feira, 25 de outubro de 2024,

O debate tem ainda uma dimensão política. Beyoncé se posicionou contra o presidente Donald Trump, na contramão da maioria dos artistas do country. “Artistas e fãs puristas não gostam de compartilhar a música country. Para eles, o gênero deve pertencer aos Estados Unidos rural, dos agricultores e fazendeiros”, afirma o jornalista americano Kyle Coroneos, criador e editor do site Saving Country Music, algo como salvando a música country.

Esses fãs têm como alvo, além de Beyoncé, nomes como Shaboozey, que estourou no ano passado com “A Bar Song (Tipsy)”, além de Brittney Spencer, Tiera Kennedy e Reyna Roberts. Os quatro cantam com Beyoncé em “Cowboy Carter”.

Quem também aparece no disco é Miley Cyrus, estrela do pop, mas filha do astro country Billy Ray Cyrus, e Post Malone, que mudou da rota do rap, que o consagrou, para lançar um álbum country. Sabrina Carpenter, um dos nomes mais quentes do pop hoje, também se juntou a Dolly Parton para um remix.

Lana Del Rey, que ataca as raízes do sonho americano em seu indie melancólico, lançou duas músicas country, na esteira de Chappell Roan, uma drag queen que subverteu o gênero ao cantar um amor lésbico ambientado no interior, mesmo caso de Trixie Mattel, vencedora do reality show RuPaul’s Drag Race.

“Ainda há um caminho a percorrer, mas o gênero está mesmo se abrindo”, afirma Kacey Musgraves, que há seis anos venceu o prêmio de álbum do ano no Grammy com “Golden Hour”, uma obra country que desde aquela época já fugia do lado mais tradicional desse universo. “Beije muitos meninos/ ou muitas meninas/ se você estiver a fim”, diz a canção “Follow Your Arrow”, desse álbum.

Para além do conservadorismo que rejeita as bandeiras do pop e, por consequência, a entrada desses artistas no country, há uma discussão técnica, diz Coroneos, do site Saving Country Music. Para ele, o que faz “Cowboy Carter” não ser um álbum de country, por exemplo, é a ausência de instrumentos como banjo e bandolim e o exagero dos sons eletrônicos e das misturas com hip-hop, R&B e até funk brasileiro.

“A intenção não era fazer um álbum country, mas mesclar vários gêneros. Ela própria disse isso”, ele afirma. “Os fãs e a mídia quiseram vender a ideia de que o disco era country. Por motivos de marketing, ela deve ter entrado no jogo.”

Mas há quem discorde da definição que Coroneos tem de country. A pesquisadora canadense Jada Watson, doutora em musicologia, lembra que homens brancos sempre misturaram country com outros ritmos e não foram criticados. Ela cita Tyler Hubbard e Brian Kelley, da dupla Florida Georgia Line, conhecida por unir country, pop, hip-hop e música eletrônica. “Essa indústria não é amigável com forasteiros, com quem não vive ou bajula o mercado de Nashville.”

Watson celebra Beyoncé, mas diz não acreditar que a cantora terá força para abrir essa porteira sozinha. “A vitória dela vai encorajar mais artistas não brancos a perseguir sua paixão pelo country, mas não deve dar conta de mudar a forma como Nashville funciona.”

“Cowboy Carter”, aliás, nasceu da inconformidade de Beyoncé com essa rejeição. Em 2016, ela foi convidada para cantar numa premiação de country e, apesar de sua participação ter dado audiência, foi criticada por figuras como Travis Tritt e Alan Jackson, que teria deixado o salão enquanto ela cantava.

Mas Beyoncé, na verdade, está se reapropriando desse gênero, que tem raízes negras. Prova disso é a história do banjo, que ela toca em “Texas Hold’Em”, levado aos Estados Unidos pelos escravizados africanos. No sul do país, hoje conservador, eles cantavam sobre sofrimento, resistência e fé.

Até que, na década de 1920, a indústria passou a chamar essa música de “race records”, ou gravações de raça, guarda-chuva no qual inseriu ainda o blues, o gospel e o jazz. O country, por sua vez, passou a ser dos brancos, conta a professora americana Francesca Royster, que explora esse tema no livro “Black Country Music: Listening for Revolutions”.

“Músicos brancos hoje vistos como criadores do gênero, como o grupo The Carter Family, na verdade foram aprendizes dos negros. Essa história foi apagada para reforçar a ideia de segregação, de que essas comunidades viviam, tocavam e amavam separados, cada um à sua maneira”, diz.

Talvez seja por isso que os shows de Beyoncé, que levam o country para fora dos Estados Unidos, lembram que a América é mesmo cheia de problemas. “Aquelas ideias antigas/ agora estão enterradas aqui/ amém.”

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@Beyhive já leram? Saiu hoje na folha

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Lenda que inspira gerações

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Entendeu errado, Folha. A tour é uma demonstração de nacionalismo segundo a BC

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Ué ela não tá performando nacionalismo maga por escolha na era trump?

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Mas avisaram que estao chamando ela de trumpista no twitter?

No mundo real a história é outra né

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Não avisaram q era a mais nova republicana do pedaço?

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mas os little monsters me disseram outra coisa

Anti-racismo e Beyoncé na mesma frase? Tranca o tópico antes da caverninha começar a espumar no decorrer com as respostas.

As coisas são tão mais complexas. O racismo não dá folga nem pra alguém como a Beyoncé e sempre tentarão dizer que ela não pertence a determinados espaços.

Coisas que nunca aconteceram:

Prefiro acreditar nas fontes do twitter

Bey comprando notinha pra folha de S.Paulo :sob: essa mulher é um monstro!!

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Ela ressignificou o guarda roupa da Joy Villa

AOTY demais

Maior álbum da década né

Nos anos 2010 ela lançou a obra-prima que quebrou todas as discussões que foi o Lemonade…8 anos depois, nos anos 2020 ela fez o mesmo com o COWBOY CARTER. A mulher não para de ser objeto de estudo e revolução na música

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a folha cometeu um erro terrível
consultou pesquisadores no assunto e jornalistas, mas não perguntou a opinião dos lms da bc e do twitter

que jornalismo lamentável!!!

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O @Leonardo inclusive falando por aí sobre a turnê deveria ler essa matéria

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