Legislativo de Hong Kong veta lei que daria direitos limitados a casais LGBT
- Casamento igualitário não é legalizado no território chinês; norma reconheceria alguns benefícios a quem formalizou união no exterior
- Governo local se diz desapontado, mas respeitará decisão do Parlamento, reformulado em 2021 para incluir apenas aliados de Pequim
O Conselho Legislativo de Hong Kong vetou nesta quarta-feira (10) um projeto de lei que concederia direitos legais limitados a casais do mesmo sexo que registraram seu casamento ou união no exterior. A decisão gerou decepção entre grupos LGBTQIA+ do território chinês.
O projeto, apresentado pelo governo, previa um sistema que concederia a casais homoafetivos que já haviam oficializado sua união no exterior determinados direitos, como o de visita hospitalar.
A proposta foi elaborada após decisão do tribunal mais alto de Hong Kong, em setembro de 2023, que em parte atendeu a um marco jurídico pela plena legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Embora a Corte de Apelação não tenha reconhecido o direito ao casamento homoafetivo, os cinco juízes ordenaram que o governo elaborasse, em até dois anos, uma estrutura legal para atender às necessidades sociais básicas desses casais.
O projeto representava uma rara oportunidade de mudança liberal no panorama legal de Hong Kong, em meio a anos de repressão à dissidência e à oposição pró-democracia, sob a lei de segurança nacional imposta pela China.
O texto, porém, enfrentou forte oposição de legisladores pró-Pequim e grupos religiosos, que afirmam que o casamento gay enfraquece valores familiares.
Foi a primeira vez que o Legislativo de Hong Kong, reformulado em 2021 para incluir apenas “patriotas pró-Pequim”, vetou um projeto de lei nesta legislatura: 71 parlamentares votaram contra e 14 a favor.
“Hoje é um dia decepcionante para Hong Kong”, afirmou em comunicado o grupo Hong Kong Marriage Equality. “(Isso) envia um sinal preocupante às comunidades local e internacional —de que decisões judiciais podem ser desconsideradas e a dignidade dos indivíduos ignorada.”
O chefe do Executivo, John Lee, já havia declarado que o governo estava obrigado cumprir a decisão judicial. Ele ressaltou que “um casamento válido em Hong Kong é entre um homem e uma mulher, monogâmico e heterossexual”.
Jimmy Sham, ativista pró-democracia que iniciou a ação judicial, disse que a votação foi decepcionante e não refletiu o apoio majoritário da opinião pública ao casamento homoafetivo, apontado em pesquisas acadêmicas recentes, segundo ele.
“Ainda quero que todos mantenham a esperança, porque isso não é o fim. Ainda temos chance de melhorar os direitos em Hong Kong, de avançar na igualdade de direitos para nossos casais do mesmo sexo.”
A Anistia Internacional e 30 grupos de direitos LGBTQ da Ásia já haviam divulgado uma carta conjunta pedindo que o governo “cumpra integralmente” a decisão do tribunal, estabelecendo uma estrutura legal abrangente que reconheça uniões homoafetivas e permita seu registro formal em Hong Kong.
Ainda não está claro como o governo local pretende cumprir a obrigação constitucional de estabelecer esse arcabouço legal, com alguns grupos defendendo que seja pedido ao tribunal uma prorrogação do prazo, que expira em 27 de outubro.
Erick Tsang, secretário de Assuntos Constitucionais e do Interior, disse que o governo estava desapontado, mas que o Conselho Legislativo exercia sua função e poder sob a Lei Básica, espécie de mini-Constituição de Hong Kong. “O governo respeitará a decisão e o resultado da votação do Conselho Legislativo”, afirmou.
“O governo não solicitará ao tribunal a extensão da ordem de suspensão. Vamos agora discutir e estudar a questão com o Departamento de Justiça.”
Entre os poucos legisladores pró-Pequim que apoiaram o projeto estava Eunice Yung, que afirmou se tratar de uma resposta pragmática e racional à realidade social.
“Vamos defender o Estado de Direito, respeitar o Judiciário e ter compaixão pelas pessoas, para que Hong Kong continue sendo uma cidade inclusiva, diversa e cumpridora das leis”, disse em discurso no Legislativo.