Mais Ovos, Menos Iogurte e adeus ao Azeite: Brasileiros adaptam consumo com preços altos e 44% trocaram de marcas

Mais ovo, menos iogurte e adeus ao azeite: o novo cardápio do brasileiro com os preços altos

Para economizar, consumidores mudaram os hábitos; 44% trocaram de marcas, 35% reduziram o café e trocaram carne de primeira por carne de segunda e 24% cortaram o iogurte, mostra pesquisa Ipsos-Ipec

Nove meses seguidos de preços de alimentos nas alturas mudaram o comportamento do brasileiro nas compras de supermercado em geral. Neste ano, 69% deixaram de levar para casa algum item por causa da inflação elevada. Entre as alternativas para conseguir cumprir minimamente a lista de compras, 44% trocaram marcas caras por mais baratas.

Houve também corte nos volumes comprados, com 35% dos consumidores reduzindo as quantidades de café e 24% deixando de levar para casa iogurte, um dos produtos que entraram para cesta de compras dos brasileiros com o Plano Real. No caso das proteínas, 35% dos consumidores trocaram carne bovina de primeira, porco ou frango, pela carne de segunda, que é mais barata.

Os dados são de um levantamento nacional feito pelo instituto de pesquisas Ipsos-Ipec a pedido do C6 Bank. Foram ouvidos 2 mil internautas, das classes A, B e C, entre final de maio e meados de junho. E as respostas se referem ao comportamento de compras dos últimos seis meses.

Apesar de a inflação da comida começar dar os primeiros sinais de trégua, os resultados da pesquisa mostram que essa mudança nos preços ainda não foi sentida pela população em geral.

Na prévia da inflação de junho, os preços de alimentos e bebidas recuaram, em média, apenas 0,02%, segundo o Índice Preços ao Consumidor-15 (IPCA-15), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi a primeira queda depois de nove meses seguidos de alta. Em 12 meses até junho, a inflação de alimentos e bebidas acumula um aumento de 6,94% de acordo com o IPCA-15. É um resultado que está bem acima da inflação geral de 5,27%.

Esse longo período de alta de preços, sobretudo de alimentos, que respondem por quase um quarto do orçamento doméstico, tirou o poder de compra da população. A aposentada Margarita Barreiros, de 74 anos, por exemplo, diz que a inflação de alimentos não diminuiu. “Se for comparar com um ano atrás, a diferença de preços é enorme”, observa. Hoje, cada vez que vai ao supermercado, ela gasta R$ 200; no ano passado desembolsava a metade.

Para Márcia Cavallari, CEO do Ipsos-Ipec, apesar da desaceleração da inflação apontada pelos índices, o nível de preços continua alto. “Não adianta falar que a inflação está baixa, se os preços estão num patamar elevado”, observa ela.

Além disso, Márcia aponta outras variáveis que contribuem para a mudança de comportamento do consumidor nas compras do dia a dia, como a percepção concreta de que, com o mesmo valor gasto no mês anterior, ele leva para casa uma quantidade cada vez menor de produtos.

Ela aponta ainda a insegurança em relação ao futuro, não só ao Brasil, mas também às guerras em curso no mundo. “As pessoas ficam mais receosas e precavidas, pensando que poderão ter de enfrentar uma situação pior no futuro.” Por isso, diz Márcia, planejam cortes nos volumes comprados, substituições de marcas e de produtos.

“Troca e destroca”

O café, o vilão da inflação dos alimentos nos últimos tempos por causa da disparada de preços, levou, por exemplo, 43% dos brasileiros a mudarem de marca, aponta a pesquisa do Ipsos-Ipec. O produto ficou 81,62% mais caro em 12 meses até junho, de acordo com o IPCA-15. Em junho, o café subiu 2,86%, é um ritmo menor do que o registrado em maio (4,82%). Mas os preços continuam em patamar elevado.

O engenheiro civil aposentado Dante Venturini, de 69 anos, por exemplo, tem essa percepção. Ele até tentou trocar a marca de café que usa, mas não conseguiu. “Mudei para experimentar, mas os cafés que a gente gosta efetivamente são um pouco mais caros.”

Venturini conta que voltou a comprar as marcas habituais de café e a saída para equilibrar o orçamento foi economizar em outros itens. A carne de primeira, por exemplo, foi substituída pela de segunda, por frango ou ovos. “Também estamos buscando refeições com carne de porco porque, em geral, é mais barata.”

A volta do ovo

Depois atingir o pico, faz dois meses que o preço do ovo tem registrado quedas significativas. Em junho caiu quase 7%, após ter recuado mais de 2% em maio. Marcio Milan, vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), observa que o ovo voltou recentemente a substituir as carnes porque é uma proteína barata. A pesquisa mostra que 22% dos brasileiros trocaram carne por ovo nos últimos seis meses. E houve também aqueles que reduziram o consumo de ovos, 21%, segundo a enquete.

Além da troca por produtos similares, no caso das proteínas, Milan confirma que a troca de marcas de um mesmo produto pelo consumidor é um movimento que vem sendo observado pelos supermercados de forma contínua desde o final do ano passado.

“Não sou fiel à marca”, afirma o médico Fabio Cabral, de 54 anos. Ele pondera que as exceções são para alguns produtos, caso do leite e do café. De maneira geral, quando vai às compras de supermercado, ele conta que foca no preço. No entanto, não se arrisca com marcas totalmente desconhecidas.

Cabral diz que não sentiu nem melhora nem piora na inflação dos alimentos nos últimos meses. “O que subiu (de preço), subiu e não desceu ainda.” Claudia Moreno, economista do C6 Bank, observa que a volta do nível de preços para patamares anteriores à disparada da inflação, que aumentou quase 5% no ano passado e sobe mais de 5% este ano, é um evento “raro”.

Piora

Já para a funcionária pública aposentada Iara Damasceno, de 59 anos, a inflação de alimentos piorou “e muito” nos últimos meses. Atualmente, ela gasta cerca de R$ 3 mil por mês nas compras, R$ 1 mil a mais do que um ano atrás. “Isso, fazendo todas as substituições e não comendo as mesmas coisas.”

Iara trocou a marca não só do café, mas de outros produtos. A carne foi substituída pelo frango e por ovos. “O ovo também subiu muito e a gente fica caçando as cartelas mais baratas.”

No caso do queijo e do iogurte, a sua família consome hoje um terço do que consumia no passado por causa do encarecimento desses itens. Ela conta que chegou a comprar uma segunda geladeira só para armazenar os laticínios.

Feito em casa

Também adepta do iogurte, a aposentada Ivania Alves Chagas Sanches, de 70 anos, adotou outra estratégia para escapar da alta de preços: começou a fazer iogurte em casa. “Compro dois (potes) e multiplico”, conta.

Indignada com o preço do café, Ivania trocou de marca e passou a tomar chá. “O (preço do) café está indomável.” No caso do azeite, ela reduziu o consumo e trocou de marca. A pesquisa mostra que 40% dos brasileiros deixaram de consumir azeite de oliva nos últimos seis meses.

Em relação ao comportamento da inflação dos alimentos em geral, a aposentada diz que está havendo alguma melhora, mas de forma muito lenta. “Ainda não dá para comemorar.” Ela lembra que no ano passado houve queimadas no campo, o que, na sua opinião, afetou a produção agrícola “O brasileiro esquece disso, mas vai melhorar.”

Flávio Serrano, economista-chefe do banco BMG, acredita que será preciso alguns meses de queda persistente de preços dos alimentos para a população ter a sensação de que o quadro inflacionário está melhorando. “Para quem gastava R$ 100 no supermercado e passou a gastar R$ 200, não basta passar a gastar R$ 198 para achar que houve melhora.”

Na perspectiva do economista, os preços da alimentação no domicílio devem ter comportamento favorável nos próximos meses. “Em junho, julho e agosto, é provável que tenhamos taxas de inflação de alimentos muito baixas”, prevê, ressalvando que o preço da comida poderá voltar a subir no final do ano.

ah mas o PIB