Marisa Orth: ‘Ninguém vira engraçado; ou você nasce engraçado, ou não’
Atriz, que acaba de ser homenageada pelo 20º CineOP — Mostra de Cinema de Ouro Preto, reflete sobre humor e relembra o sucesso como Magda em conversa com o ‘Estadão’: ‘Já virou adjetivo’
Marisa Orth acaba de receber uma grande homenagem. Na 20º CineOP — Mostra de Cinema de Ouro Preto, que acaba nesta segunda-feira, 30, a atriz foi recompensada com o Troféu Vila Rica, sob os aplausos generosos da plateia.
A artista com mais de trinta anos de carreira no cinema e na televisão, e mais de quarenta anos nos palcos, também participou de um debate a respeito do humor das mulheres no cinema brasileiro — que foi o tema central do evento mineiro.
Em paralelo, ela conversou com o Estadão sobre comédia, cinema e sua trajetória profissional. Leia abaixo os destaques da entrevista.
‘Magda mudou minha vida completamente’
A discussão não poderia evitar o sucesso de Sai de Baixo, série que marcou a televisão brasileira entre 1996 e 2002 e ganhou um especial em 2013. No programa, ela interpretava Magda Antibes, a esposa nada inteligente do empresário corrupto Caco Antibes (Miguel Falabella).
“Eu sou grata pela Magda. Ela é uma entidade que eu recebi, e que tem vida própria hoje; já virou um adjetivo”, diz. “Ela me deu prestígio, e tenho saudade dela — é raro você interpretar uma personagem por seis anos. Você acaba se tornando expert naquela pessoa. Então a Magda me melhorou muito como atriz, porque é difícil pra caramba fazer aquilo, embora ninguém perceba.”
Orth não se incomoda de ser associada à personagem cômica, e pretende seguir na parceria com Falabella. Em 2025, a dupla se apresenta no teatro com o terceiro espetáculo juntos, Fica Comigo Esta Noite.
“É uma honra e um carma”, brinca. “Ninguém se esquece do Caco e da Magda. Eu e ele somos um terceiro produto. A gente inegavelmente tem química, e sabemos trabalhar juntos”. A atriz ainda rasga elogios ao colega, a quem chama de “mestre da comédia”.
‘Ninguém vira engraçado’
Mas como alguém aprende a ser comediante? No caso de Orth, isso aconteceu “tentando e levando bronca”, enquanto se inspirava nos grandes humoristas cariocas, cearenses e norte-americanos.
A atriz ainda destaca a experiência fundamental no musical A Família Addams, em que interpretou a matriarca Mortícia Addams, e elogia as colegas de sua geração — Denise Fraga, Andréa Beltrão, Fernanda Torres — como inspirações para se tornar uma intérprete melhor. Mesmo assim, ela crava: “Melhorei, mas a pessoa tem que nascer para a coisa. Ninguém vira engraçado: ou você nasce engraçado, ou não. Não tem jeito”.
Ela estima que a tradição brasileira para o humor se deve à sólida dramaturgia que se desenvolvia no teatro, quando ainda dava os primeiros passos na carreira. Por isso, sublinha a importância de autores como Mauro Rasi (1949-2003) e Vicente Pereira (1949-1993), além dos grupos e coletivos.
“Foi o fim da ditadura, o fim de um tempo de opressão. O movimento gay se fortaleceu e os autores gays apareceram. Obrigatoriamente, na vida deles, era preciso misturar o drama e a comédia, senão não se sobrevivia”, explica. “Foi o tempo das lutas identitárias pelo direito dos homossexuais e das mulheres. Para as minorias entrarem no mainstream, a gente precisa fazer piada, senão, não deixam entrar.”
O humor ‘chique’
A conversa se aprofunda quando Orth é convidada a comparar o humor de antigamente com as novas formas de comédia. Ela nota que “de repente, o humor virou chique, o humor estava na moda”. Agradece ao filho por apresentá-la aos espetáculos de comédia de improviso, e pontua que o nascimento do Porta dos Fundos foi “um acontecimento”. “Mas foi um processo orgânico: o humor estava muito repetido, velho. A gente precisava fazer humor com coisas mais inteligentes, e dar um salto qualitativo”.
A atriz se felicita do impacto que a internet, os celulares e as redes sociais exerceram na proliferação do humor. Assim, relembra as palavras de Alexandre Machado — autor de Os Normais — para quem “o celular supre nossa necessidade de humor”. Por isso, confessa ser consumidora de “humor de internet”, “um humor trash, um humor de Reels”.
“Pensa em quantos comediantes e quantas coisas engraçadas você vê todos os dias. Mais pessoas têm a oportunidade de contar piadas, e às vezes nem são pessoas engraçadas, mas a edição é engraçada — um corte na hora certa, por exemplo. Às vezes é uma pegadinha que a pessoa faz com a própria mãe, em estilo reality show. Tem muitas formas de humor dentro da internet”, Orth diz, considerando o acesso generalizado à internet como uma democratização da comédia.
‘Os Normais’ e Anna Muylaert
Relembrando sua trajetória no cinema, especificamente, ela cita Os Normais: O Filme (2003) como um dos filmes que mais gostou de fazer. Imediatamente, o sorriso ilumina o rosto da atriz: “Que filme engraçado! Como eu entendia bem o texto do Alexandre [Machado] e da Fernanda [Young]! Eu lia o roteiro e já ouvia a minha voz. Adorei trabalhar com Evandro Mesquita”, relembra.
Outro destaque de Orth vem da parceria com Anna Muylaert. Juntas, a atriz e a cineasta já fizeram o curta-metragem A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti (1995), além dos longas-metragens Durval Discos (2002) e É Proibido Fumar (2009).
“Somos amigas desde que a gente tem treze, quatorze anos”, ela recorda. “O objetivo da Anna já era fazer cinema. Ela ganhou uma câmera Super8, e fazia curtas, criava projetos. Ela é uma madrinha para mim: eu sei mais sobre cinema graças a ela. Além disso, ela sempre valorizou muito o trabalho dos atores”.
A respeito da direção de atores, a atriz esclarece que adora ser dirigida, e aproveita para alfinetar os cineastas que têm o que chama de “certo medo do ator”: “Isso não está certo, mesmo que o ator ganhe mais do que o diretor — é um pouco desta síndrome de jogador de futebol. Mas o diretor tem que ser soberano e conceituar a obra. Se a atriz é consagrada, então ela é boa no que faz. E atrizes boas querem ser dirigidas.”
Cara de comédia romântica?
Enquanto espectadora, ela conta ao Estadão que assiste às novas comédias com bons olhos. Gosta especificamente dos filmes de Paulo Gustavo, de Fala Sério, Mãe (2017), estrelado por Ingrid Guimarães, e de Os Homens São de Marte… e É pra Lá que Eu Vou (2014), criado e interpretado por Mônica Martelli. Sobre este último, Orth revela que adora comédias românticas, embora ainda não tenha protagonizado um filme do gênero. “Não sei se eu tenho cara de comédia romântica. Será?”, pondera.
Mesmo assim, para ela, a homenagem na CineOP se tornou particularmente relevante por ser lembrada num evento dedicado ao cinema:
“Eu fiz bastante cinema num tempo em que não se fazia tanto cinema assim. Com o sucesso na televisão e a estampa de Magda, eu acho que isso me afastou dos filmes. Os realizadores não me pensam mais tanto para o cinema. Então esse festival tem um significado muito especial para mim, sendo reconhecida como atriz de cinema”.
Orth esclarece que se sente igualmente satisfeita com os trabalhos no cinema, teatro e televisão, mesmo que não se considere uma cantora do mesmo nível: “Eu tenho noção, né? Eu sou bem melhor atriz do que cantora. Eu sei cantar, é diferente. Aprendi a cantar a duras penas. Mas me sinto muito mais livre como atriz do que cantora. Eu domino melhor”.
Por fim, ela espera que a celebração no evento mineiro abra portas para mais oportunidades em filmes. “Me sinto valorizada. É uma sensação de ‘Sim, eu cheguei lá’. Agora falta fazer mais cinema. Agora eu quero mais!”, conclui.