Álbum: Miley Cyrus — Something Beautiful
Rock psicodélico e soft rock de uma ambição absurda que… quase acerta em cheio.
Desde a adolescência, Miley sempre fez questão de ir além, adicionando brilho e extravagância a uma discografia e uma presença pública gloriosamente caóticas — mesclando seu passado na Disney Channel e sua herança de família da música country com influências espalhafatosas do universo clubber, do hip hop e de uma estética punk, pansexual e psicodélica. E, considerando de onde ela veio, isso talvez a torne até mais subversiva do que a própria Lady Gaga.
E aqui, ela realmente leva isso ao extremo. Seu oitavo álbum de estúdio é também a trilha sonora de um visual album que será lançado nos cinemas no próximo mês, inspirado por experiências psicodélicas, pelo filme ultraviolento e alucinógeno Mandy (2018) e pelo clássico The Wall, do Pink Floyd. Mesmo sem o filme, a ambição transborda em cada segundo do som. Este álbum, acima de tudo, soa como se tivesse custado bilhões — dá pra imaginar perfeitamente como ele vai explodir nas caixas de som Dolby Atmos dos cinemas, com cada chiado, cada reverberação e cada ruído abstrato meticulosamente lapidado. Mas não é firula vazia — tudo está cuidadosamente entrelaçado com guitarras, cordas, sintetizadores borbulhantes de disco music e a própria voz de Miley, que está mais poderosa e confortável do que nunca.
Ela está absolutamente no controle de tudo aqui — a personalidade marcante da sua voz, a consistência do tom apocalíptico, mas também esperançoso. Temas como “vamos fingir que não é o fim do mundo” se repetem ao longo do álbum, sempre voltando à dualidade entre perda e renascimento, com referências explícitas à “morte do ego” provocada pela poderosa substância psicodélica DMT. E tudo isso apresentado de forma acessível e bem digerível.
O alicerce sonoro do álbum é o soft rock e o AOR (rock adulto contemporâneo) vintage, com desvios perfeitamente encaixados pelo soul e pelo pop/disco dos anos 80 — carregando toda aquela intensidade dramática que caracteriza o melhor desses estilos. Surpreendentemente, a produção primorosa faz com que o álbum soe fresco e atual, longe de parecer apenas uma colagem nostálgica, mesmo em faixas como “Walk of Fame” que fazem referência direta a Bronski Beat, Frankie Goes To Hollywood, New Order, Pet Shop Boys e outros clássicos dos anos 80.
Porém, com tanto esmero e ambição, surge um problema: as músicas precisam ser tão grandiosas quanto essa visão — e muitas vezes, infelizmente, não são. Você se pega torcendo para que elas cheguem lá. Um exemplo é “More to Lose”, que quase se transforma numa daquelas baladas grandiosas que Cher ou Boston teriam lançado, mas que simplesmente não decola. O mesmo acontece com “Every Girl You’ve Ever Loved”, um electropop impecável na produção e com Miley se entregando de corpo e alma, mas cuja melodia e refrão ficam a um fio de distância da grandeza — e a participação da Naomi Campbell, fazendo um verso falado que parece saído diretamente de Absolutely Fabulous, definitivamente não ajuda.
Dito isso, existem sim momentos altos: o pop psicodélico total de “Reborn” é realmente intenso; “Easy Lover” tem uma vibe funk descontraída maravilhosa e poderia facilmente ser uma música do Gnarls Barkley. E, no fim, a produção gloriosa e os arranjos fazem você querer voltar a ouvir mais e mais.
Mais um capítulo deliciosamente caótico de uma carreira brilhantemente caótica — e talvez, apenas talvez, um vislumbre do grande álbum definitivo que Miley ainda tem dentro de si para entregar ao mundo.
Nota: 3/5 (60/100)