Há três semanas no ar, Dona de Mim tem um saldo positivo na Globo. A novela de Rosane Svartman mantém a dignidade na faixa das 19h, recebida com o crivo alto ao fim, em abril, da bem-sucedida Volta por Cima. Na nova história, problemas pontuais são contornados por uma protagonista carismática e uma trama envolvente, ainda que, por vezes, pueril.
Dona de Mim é centrada em Leona (Clara Moneke) e na relação que ela estabelece com Sofia (Elis Cabral) ao ser contratada como babá da menina. A criança tem o mesmo nome da filha que a heroína perdeu no passado, durante uma gestação. Na casa do empresário Abel (Tony Ramos), a nova contratada vira alvo da disputa entre os irmãos Davi (Rafael Vitti) e Samuel (Juan Paiva).
Como em suas outras criações, a autora busca inspiração em clássicos do imaginário popular. Desta vez, criou uma noviça rebelde do subúrbio, atrapalhada, errante e divertida. A escalação de Clara Moneke, estrela em franca ascensão na Globo, foi um grande acerto. A jovem atriz tem química com todos à sua volta, desde Tony Ramos até seus pares românticos, mas principalmente com a atriz mirim Elis Cabral.
As cenas entre Leona e Sofia garantem os melhores momentos. Há uma evidente conexão entre as duas, o que faz o telespectador relevar as passagens e saídas mais ingênuas do texto, típicas de histórias para crianças – como o salto alto quebrado colado com um chiclete, no primeiro capítulo, e a caixa d’água sabotada com groselha para simular sangue.
A pegada infantil é proposital e garante o apelo da novela junto ao público, que também se interessa por tramas mais singelas. A atração não precisa se valer de tantas cenas de suspense e violência, veiculadas quase a todo capítulo, muitas vezes de forma gratuita. Será um desafio fazer com que essas sequências, que devem seguir nos próximos capítulos, não destoem da narrativa principal.
Personagem evangélico de Dona de Mim, além de cansativo, já ficou caricato
O entrecho envolvendo Marlon (Humberto Morais), lutador que realiza o sonho de ser policial militar, é bem interessante. A história suscita questionamentos éticos e morais relacionados à profissão. A abordagem seria mais efetiva se o personagem, evangélico, não tivesse um versículo bíblico na ponta da língua a cada adversidade que se impõe. Além de cansativo, já ficou caricato.
A religião não parece ter grande função na história do lutador senão tentar despertar para a novela a simpatia do público evangélico – com o qual Svartman já dialogou em Vai na Fé (2023). Tal característica pode ajudar mais adiante no desenvolvimento de Marlon e da mãe dele, Jussara (Vilma Melo), mas os salmos lembrados a todo instante deveriam ficar de fora.
Outra personagem que ainda não se encontrou totalmente foi Filipa (Cláudia Abreu). Sempre em crise, a mulher de Abel só aparece reclamando, infeliz com o casamento, com a enteada, com a filha que vive no exterior e com a carreira artística. Por ora, ela só serviu para que o texto fizesse bonitas reverências ao teatro, com menções a Pluft, o Fantasminha e A Gaivota.
Filipa ainda parece ter muito a mostrar, especialmente se o roteiro não desperdiçar um talento como o de Cláudia Abreu. Há chances de boas cenas com Danilo (Felipe Simas), o motorista com quem já começa a se envolver, e com Jaques (Marcello Novaes), o cunhado inescrupuloso. Este, o principal vilão, também não disse ainda a que veio.
“Viagens” da autora dão toque criativo, mas direção nem sempre acompanha
As “viagens” da autora são bem-vindas e dão um toque criativo à novela, mas falta certa parcimônia. Ela enfia cantorias em momentos aleatórios – algo que também experimentou em trabalhos anteriores –, mas nem sempre o talento musical de alguns atores acompanha a ideia. Para piorar, a equipe de direção de Allan Fiterman passa pouca naturalidade nas sequências mais inventivas.
Os flashbacks, recursos importantes para situar o telespectador na história, foram usados à exaustão na primeira leva de capítulos. Mesmo assim, há perguntas que o texto não indicou se pretende responder: por exemplo, por que Abel queria se matar quando foi salvo por Ellen (Camila Pitanga)? O passado desses personagens podem e devem ser mais explorados adiante.
Para isso, haverá tempo de sobra: a previsão é de que Dona de Mim tenha 221 capítulos, ficando no ar até o ano que vem. Com uma variedade de temas levantados, um deles parece dar unidade às tramas: a maternidade. O currículo da autora nos permite confiar que, apesar de alguns tropeços, ela deve manter a novela de pé, com coerência e qualidade, até o fim.
Dona de Mim é criada por Rosane Svartman e escrita com Carolina Santos, Jaqueline Vargas, Juan Jullian, Mário Viana, Michel Carvalho e Renata Sofia. A direção artística é de Allan Fiterman, com direção geral de Pedro Brenelli e produção de Mariana Pinheiro. A direção de gênero é de José Luiz Villamarim.