Today, we review a touchstone of jazz and bossa nova, the alchemical 1964 album that brought the dreamy sound of Brazil to an enormous new audience.
Nota: 9.6
Em um show de 1976 com o astro do saxofone americano Stan Getz e o cantor e guitarrista brasileiro João Gilberto, Getz recebeu seu parceiro no palco com um tom de voz que revelava o quão impressionado ele estava com sua genialidade. “O cantor mais individual do nosso tempo, um verdadeiro criador”, ele se entusiasmou. “Sua curiosa habilidade de cantar com ternura sem vibrato, seu senso rítmico impecável e inimitável, sua intimidade, tudo isso somado ao seu maravilhoso trabalho de guitarra, o tornam único.” Se isso soa seco, Miles Davis o colocou assim: “Gilberto conseguia soar sedutor lendo em voz alta o Wall Street Journal.”
Apesar de estar próximo de João Gilberto há mais de uma década àquela altura — no palco e no estúdio — Getz permanece eternamente fascinado por Gilberto: sua voz, seu tom atenuado, seu senso rítmico, o espaço dentro da música que ele criou, a bossa nova. E em uma década de revoluções musicais cada vez mais barulhentas, Gilberto esteve no centro da mais silenciosa de todas, agora erroneamente percebida como música de elevador pitoresca, em vez da mudança de paradigma sofisticada e sutil que a bossa nova realmente era, um casamento entre ritmo afro-brasileiro e intrincados conceitos harmônicos eurocêntricos.
Em 1964, Getz e Gilberto levaram a bossa nova às massas americanas com seu álbum colaborativo Getz/Gilberto, e depois ao resto do mundo, embora todos estivessem bem atrasados em relação ao que já havia acontecido no Brasil — o equivalente moderno de descobrir que o som mais quente na China é “Old Town Road”. Quando Gilberto gravou seu primeiro disco solo, Chega de Saudade, no Brasil em 1959, acendeu uma chama naquele país, uma revolução no samba que transformou completamente a música brasileira. “A molecada conseguia se ver naquela música”, observou Ruy Castro em sua história da música, Bossa Nova. Gilberto era um cantor enigmático, um rítmico sutil e um deus discreto da guitarra, inspirando uma nova geração a cantar e a pegar no violão, ao mesmo tempo que, com gratidão, também acabava com a obsessão nacional pelo acordeão. Em casa, Gilberto era um ícone. “Devo ao João Gilberto tudo o que sou hoje”, disse Caetano Veloso. “Mesmo que eu fosse outra coisa e não músico, diria que devo tudo a ele.”
Ao longo dos oito meses seguintes, a música dentro da cabeça de Gilberto incubou em Diamantina, sem que ninguém mais pudesse ouvi-la. Ele se trancava no banheiro por horas a fio para praticar. Os ladrilhos duros do pequeno cômodo forneciam uma acústica que lhe permitia ouvir seu violão como nunca antes. As notas de seu violão pairavam no ar graças à reverberação natural do banheiro. Não havia acordes dedilhados, nem dedilhados ou sequências de notas isoladas, mas sim um movimento oscilante entre as notas graves regulares dedilhdas com o polegar e um contrarritmo em acordes que ele dedilhava com os três dedos seguintes. Mais tarde, ele diria que essa ideia rítmica sutil surgiu ao observar as mulheres afro-brasileiras de Juazeiro andando com cestos de roupa suja na cabeça, os quadris balançando. (Mas ele também se inspiraria no gingado dos patos em outra música antiga, “O Pato”.)
Em meio à reverberação natural de seu violão no banheiro, ele também percebeu que, cantando suavemente, sem vibrato, podia mudar o andamento à vontade, pressionando e puxando o acompanhamento do violão de uma maneira nova e curiosa. O som chegava à sua cavidade nasal como um zumbido, em vez de através da boca, mais sussurrado do que projetado para fora. E, finalmente, Gilberto conquistou uma plateia cativa, saindo furtivamente nas primeiras horas da manhã para serenatar sua sobrinha recém-nascida em seu berço com esse novo som que mal passava de um ronronar de ninar. Mas as mudanças de humor de João acabaram com sua irmã depois de alguns meses, e ele logo se viu de volta em casa, onde seu pai não se impressionou com essa suposta descoberta: “Isso não é música. É nyah nyah nyah-nyah nyah.” Gilberto foi internado em um sanatório, mas não encontraram nada de errado com ele e, após uma semana, recebeu alta.
Ao retornar ao Rio, procurou o pianista e compositor Antônio Carlos Jobim, que havia conquistado renome internacional por sua trilha sonora de samba para Orfeu Negro, de Marcel Camus, com canções compostas por Jobim com Vinicius de Moraes e tocadas com o violonista Luiz Bonfá. Jobim conhecia Gilberto como cantor, mas foi surpreendido por seu violão, que “simplificou o ritmo do samba e deixou muito espaço para as harmonias ultramodernas” que ele vinha explorando em algumas músicas novas. A primeira colaboração entre eles, “Chega de Saudade”, acendeu o estopim para a nova batida da bossa nova, e uma conexão vital foi estabelecida.