Vestibulares mudam para atender estudantes mais cansados e distraídos: "Até a letra piorou"

Mais cansados e distraídos, estudantes têm dificuldade para encarar vestibulares

Concentração baixa e até piora na letra levaram USP e Unicamp a reformular exames para tentar reduzir desgaste dos candidatos

A vestibulanda Sofia Honorato, 18, começa seu segundo ano de tentativas para ingressar em uma universidade. Com o sonho de cursar estatística na Unicamp, a estudante de um cursinho popular de Campinas (SP) não conseguiu concluir a prova do Enem nem a segunda fase da Comvest no ano passado, devido a dificuldades de concentração nos enunciados.

“Eu sinto que o Enem cansa muito, é praticamente uma prova de resistência”, diz Sofia. Para ela, que acumula estágio e estudos, a atenção se dispersa facilmente. “No final da prova, comecei a chutar para tentar ganhar tempo. Já não conseguia me concentrar.”

Sofia não é exceção. A dificuldade de concentração e de terminar provas extensas motivaram, a partir deste ano, mudanças em dois dos mais conceituados vestibulares do país, a Fuvest, da USP, e a Comvest, da Unicamp.

A prova da USP terá novo projeto gráfico, desenvolvido para facilitar a concentração dos estudantes. Segundo o diretor-executivo da Fuvest, Gustavo Mônaco, uma pesquisa interna identificou o tipo de fonte que provoca menos fadiga visual.

Além disso, as bancas foram orientadas a elaborar questões com mais interdisciplinaridade e transversalidade. “Não é um vestibular mais curto. Queremos que o candidato gaste menos tempo interpretando e mais tempo aplicando o conhecimento, que é o que realmente nos interessa”, diz Mônaco.

Na Unicamp, a principal mudança será a redução de 20 para 18 questões na segunda fase, que é discursiva. Para Sofia, essa etapa foi a mais difícil. “Deixei cinco questões em branco. Chegou uma hora em que parecia que tudo estava escrito em grego”, conta.

Para a pedagoga e coordenadora do colégio Vera, Ana Bergamin, as mudanças nos vestibulares são bem-vindas e vinham sendo esperadas há muito tempo. De acordo com ela, resolver 90 questões é pesado, e modernizar o layout da prova e reduzir o número de perguntas são um gesto de respeito ao aluno.

O diretor do cursinho pré-vestibular Oficina do Estudante, Wander Azanha, percebe que o próprio modelo das provas contribui para o desgaste. Ele elogia a valorização do conhecimento em detrimento da memorização, mas critica o vestibular da Fuvest, que mistura áreas. “Esse padrão cansa demais o aluno”, afirma.

Mônaco defende a proposta. Segundo ele, a ausência de divisão em blocos permite refletir a interdisciplinaridade real dos conhecimentos. “Questões podem misturar biologia, química e física. Além disso, evitamos que o candidato precise voltar a enunciados anteriores, o afetaria a concentração.” Para o diretor-executivo, embora tenha gerado estranhamento no início, os estudantes já aceitaram o novo modelo.

ATÉ A LETRA PIOROU, AFIRMA EDUCADOR

Para os educadores ouvidos pela Folha, o problema vai além do formato dos vestibulares. O uso excessivo de celulares e os efeitos prolongados da pandemia contribuíram para uma queda generalizada na capacidade de concentração dos jovens.

O diretor da Comvest, José Alves, afirma que houve queda no rendimento dos candidatos desde a pandemia. Segundo ele, as provas têm sido mais acessíveis, com questões adaptadas, mas ainda assim os resultados pioraram. “A capacidade de concentração e a produção textual dos candidatos caiu.”

A mudança não afeta os cursos mais concorridos, como medicina, mas é perceptível nas áreas de média e baixa disputa. Alves também aponta alterações na produção textual —da estrutura dos textos à caligrafia— influenciadas pelo uso predominante do computador. “Isso não interfere na nota, mas revela uma mudança na forma de organizar o raciocínio”, diz.

No Oficina do Estudante, Isabelly Finoti, 18, integra uma turma exclusiva para candidatos que prestam medicina. Ela diz dedicar 12 horas diárias aos estudos e afirma que o ambiente contribui para manter a disciplina, mas reconhece o desgaste.

“Estar numa sala com tantas pessoas focadas mudou minha postura. Mesmo assim, perco o foco nas questões de humanas por conta dos enunciados longos.”

Colega dela, Gabriela Marangoni, 18, recorre a estratégias simples para manter a concentração. “Deixo o celular no modo avião e o mais longe possível”, diz. Durante as provas, também opta por trocar as questões com enunciados extensos por outras mais objetivas. “Quando chega uma hora em que não consigo mais ler, pulo para as de exatas, que costumam ter menos texto.”

Com 30 anos de experiência em sala de aula, Azanha, observa uma mudança clara no comportamento dos alunos. “Eles já não têm paciência para se concentrar. Querem tudo muito rápido, como no Instagram ou TikTok. Quando pedimos para ler uma questão mais longa, já vem a reclamação: ‘Nossa, que texto gigante’”, conta.

Lucas Cardoso, coordenador pedagógico do Colégio Magno, diz que o problema é estrutural. Para ele, o estilo de vida da nova geração é de atenção fragmentada, incompatível com as exigências dos vestibulares.

“Muitos passavam até oito horas por dia nas redes sociais. Mesmo com a redução do uso de celulares nas escolas, a dificuldade de concentração persiste”, diz.

Isabelly afirma que precisou adotar medidas para controlar o tempo nas redes. A vestibulanda usa um aplicativo que limita o número de vezes em que pode abrir certos apps por dia. “É a única forma de manter a concentração. Se não fosse pelo aplicativo, jamais conseguiria fazer uma prova.”