Especial Eleições Argentina - Tudo sobre a Coalizão Governista Union por la Patria (UxP)

Especial da Laura - Eleições Argentinas

Como muitos sabem faz um ano que estou morando na Argentina, e como esse ano é eleitoral e sei que a política e economia Argentina tem uma boa repercussão aqui no forum com notícias ou discussões no fixo de política, eu resolvi preparar um especial de 4 partes, centrais para o pleito que se inicia.

Hoje discutiremos a aliança governamental denominada “Unión por La Patria” (UxP). Quais são os principais membros dentro dessa coalizão? Qual é a motivação por trás da escolha da candidatura de Sergio Massa? que papel Juan Grabois desempenha nesse contexto? Abordaremos também os conceitos de peronismo e kirchnerismo, entre outros tópicos. Adianto que tem muito textão, então passa um café.

@Janjos @CPI @Revolucionarios

A Union por la Patria (UxP), é sucessora da frente governista Frente de Todos (FdT), reúne a maior parte do Partido Justicialista (braço político do peronismo), as diferentes organizações políticas e sociais que apoiam o kirchnerismo, e a Frente Renovadora do atual candidato Sérgio Massa.

Surgido em 1946, o peronismo é um movimento político sem o qual é impossível analisar a política argentina. É um movimento incrivelmente amplo que reúne pessoas com ideias nacionalistas, socialistas, conservadoras e liberais sob a figura de Juan Domingo Perón.

O movimento está historicamente dividido, especialmente desde a década de 1970, quando Perón morreu e deixou um confronto entre suas facções ortodoxa (direita) e revolucionária/heterodoxa (esquerda), embora tenha sido só na década de 1990 que o Peronismo se fragmentou.

Se quiserem se debruçar mais os aspectos históricos deste personagem e seus governos, que entrou para a história da Argentina, recomendo este episódio do Historia em Meia Hora do grande Professor Vitor Soares.

A força política do peronismo vem historicamente do sindicalismo. Mas Em 1989, o peronista Carlos Menem chega ao poder, inaugurando o Peronismo Neoliberal, cujo políticas econômicas, como privatizações, precarização do trabalho, redução dos salários, dolarizaração da indexação de títulos da união, resultaram em um alto nível de desemprego, e embora tenha mantido grande influência, o sindicalismo foi brutalmente enfraquecido.

O declínio relativo do sindicalismo viu surgir algo único na Argentina: as organizações de desempregados. E a crise de 2001, a pior de toda história da Argentina, causou o colapso do UCR (Union Cívica Radical), rival histórica do peronismo, e acentuou ainda mais as divisões dentro do peronismo, e levou suas organizações a ocupar novamente o centro do palco político.

O kirchnerismo (a corrente do peronismo que assumiu o poder em 2003) manteve sua relação histórica com os sindicatos, mas também incorporou essas as organizações sociais como os representantes dos desempregados, indígenas, trabalhadores informais etc, as politicas de Estado.

A abundancia econômica devido ao aumento do preço da soja e outras commodities permitiu a Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner, enquadrados em um ambiente regional favorável (a “maré rosa” do chauvismo), os fizeram construir um novo movimento (em parte dentro, e em parte fora do Peronismo), o Kirchnerismo.

Na prática, trata-se de um vínculo patronal das forças de trabalho, o Estado então não “socializa” a economia (por isso o kirchnerismo não é nem socialista e nem social-democrata), mas terceiriza sua política social. Na pratica o estado repassa o orçamento a iniciativa privada e outras organizações, e elas se encarregam de construir as politicas públicas previamente aprovadas, como moradias, escolas, etc.

Mas o comportamento (político e ético) de vários desses “líderes sociais” tem sido historicamente polêmico e fonte de polarização no chamado “Grieta”[Ruptura], tendo como expoentes recentes Milagro Sala em Jujuy, ou e Emerenciano Sena no Chaco.

Estamos falando de denúncias rotineiras de enriquecimento ilícito, de gestão irregular do dinheiro público, episódios de flagrantes de violência “mafiosa” contra políticos com os quais estão em conflito, ou que administram seus eleitores de maneira “paternalista” ou “feudal”.

Agora, o segundo mandato de Cristina marca o início da atual crise desse modelo, Porque o ciclo de commodities se encerra sem que a Argentina tenha feito reservas, e esse talvez tenha sido o maior erro dos Kirchiners.

Já o maior legado, e que deixa Cristina até os dias atuais com uma enorme força politica e base de votos, foi ter revertido a crise de 2001, que se caracterizou pelo maior default da história, o colapso da taxa de câmbio fixo, o confisco de depósitos bancários e um presidente que fugiu de helicóptero e abandonou o cargo em meio a uma revolta popular.

Politicamente, esse período (2011-2015) passou por outra ruptura do peronismo. Os sindicalistas a abandonaram Cristina (em seu segundo mandato fizeram o mesmo número de greves que fariam a Macri posteriormente), Sergio Massa fundou a Frente Renovadora, em seu ultimo ano a situação econômica piorou com a instabilidade política.

A ideia liberal de “ajuste” (do encolhimento do Estado) esteve no centro do debate nas duas última décadas na Argentina, não só na oposição, mas dentro do próprio peronismo. Mas o temor de uma nova reação violenta das organizações sociais, como na da crise de 2001, é até então o que vem impedindo, mesmo no governo Macri, uma coalizão entorno da austeridade e do desmonte do estado Argentino, que mesmo passando por inúmeras crises econômicas e sucateamento, ainda é uma referência de qualidade no continente, e a principal razão que mesmo com o crescimento da pobreza da atual crise cambial, o páis ainda sustente um IDH de 0.850, maior que muitos países europeus.

Durante a presidência de Macri, a divisão do peronismo se aprofundou, não sendo resolvida até 2019. Alguns “peronistas federais” e do interior, chegaram a colaborar com Macri no nível legislativo, e muito provavelmente voltarão a fazê-lo caso a coalizão Juntos por el Cambio (JxC) vença este ano.

O fracasso do governo Macri, que aprofundou a crise econômica, fazendo uma enorme dívida externa (que os Kirchiners haviam levado 14 anos pra pagar), não controlando o cambio e a evasão de dólares, retirando subsídios estatais aos mais pobres, tomando empréstimos no FMI, etc, e iniciando a fase superinflação que chegou a 54% em seu mandato, demostrando que não é tão fácil romper com o atual modelo econômico, mesmo pelo neoliberalismo. Então sindicalistas, dirigentes de organizações sociais, peronistas, kirchneristas e Massistas, tiveram então em Macri, um motivo para se reunirem novamente.

A FdT foi criada para reunir a maior parte do Partido Justicialista, o Kirchnerismo e o Massismo (peronismo em geral) para as eleições de 2019. Desde o início foi uma coalizão complicada, mas que cumpriu seu objetivo eleitoral (derrotar Mauricio Macri), mas governar era outra coisa.

A pandemia e a sua gestão (com um grande número de escândalos que se desencadeou) apenas agravaram os problemas persistentes e destruíram o frágil capital político que Alberto Fernández havia angariado (um fraco candidato “consensual” e sem apoio das massas).

116% de inflação, 50% de informalidade, é só alguns dos péssimos indices da gestão de Alberto. Congelamento de salários, falta de controle no cambio, juros reais negativos, não é preciso ser um gênio para entender por que Alberto sai com um dos índices de aprovação mais baixos da história democrática, e entender por que ele decidiu não concorrer à reeleição.

Em tese, como a sentença que correu contra ela na justiçã não é definitiva, Cristina poderia se apresentar como candidata, e foi muito pressionada para isso. No entanto, ela recusou. Seu entorno apresenta uma narrativa de “proibição”, provavelmente para afastá-la de um ano eleitoral difícil.

Até o fechamento das candidaturas, tudo apontava para uma primária (que seria a primeira do peronismo em 35 anos) entre o ministro do Interior Wado de Pedro (kirchnerista) e o ex-governador de Buenos Aires e Embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli (expoente do Peronismo órfão com a morte política de Alberto).

Mas no último dia para o fim do prazo, Scioli e Wado surpreendentemente desistiram em favor do atual “Superministro” da Economia Sergio Massa, líder da Frente Renovadora (a ala mais “centrista” da coalizão) e provavelmente a segunda pessoa mais poderosa do atual governo depois de Cristina.

Massa Iniciou sua carreira em um partido liberal de direita (UCeDé) durante o Menemismo (Governo de Carlos Melém que citamos lá no inicio). Depois foi para a PJ, força pela qual foi eleito prefeito da cidade de Tigre. Ele foi o sucessor de Alberto como chefe de gabinete de Cristina antes da separação.

Mas por que trocar o embate o Wado vs. Scioli para uma coalizão com Massa, basicamente porque uma primária tão dura e combativa, não seria bom com o atual enfraquecido peronismo. Da mesma forma, a candidatura de Massa tranquilizaria os mercados, e permitiria ao Kirchnerismo concentrar seus esforços na manutenção da província de Buenos Aires, na figura de Axel Kicillof.

As legislativas de meio de ano foram um baque para o peronismo. Governadores viram a perda de redutos históricos como San Luis, San Juan e Chubut (e podem perder o Chaco). Mas na Província de Buenos Aires eles se mantiveram muito bem em 2021 (perderam por apenas um ponto).

Quase toda campanha eleitoral do UxP (Massa à nação, Wado ao Senado, Máximo Kirchner a deputado) visa garantir a reeleição de Axel Kicillof na Província de Buenos Aires, e acomodar lideranças de peso no Congresso. O resultado no resto do país parece importar menos.

Para o Kirchnerismo em particular (dentro do peronismo), manter a província (que conta com 40% da população) é fundamental, mesmo que o pleito a presidência seja perdida. A partir daí, preservariam seu espaço institucional para levantar uma forte oposição a um novo governo do JxC.

Em 2015 foi diferente porque o JxC e Macri venceram contra um peronismo dividido, e este ano seria contra um unido. Se Cristina manteve a liderança do peronismo naquela época, foi porque a outra alternativa poderia enfraquecer o movimento. Hoje é mais duvidoso o que os dirigentes prefeririam se voltassem a perder.

Axel Kicillof é um candidato de Cristina, representa abertamente o kirchnerismo. Caso ocorra uma derrota brutal ao ponto que perdessem a província de Buenos Aires, a liderança de Cristina começaria a ser posta em cheque.

A liderança de Cristina tem sido avassaladora desde a morte de Nestor Kirchner em 2010. A derrota de Daniel Scioli no pleito de 2015 por apenas dois pontos (ainda que perdendo na Província de B.A.) não a derrubou, nem mesmo em 2017, que apesar de ter perdido as primárias, deixou claro que os eleitores peronistas ainda prefeririam a ela.

Considerando que a UxP pode vencer, há setores que esperam que a eleição de Massa possa responder encontrar soluções para a crise do modelo econômico Argentino. Se acredita que Massa represente um setor do peronismo capaz de enfrentar um cenário de ajuste, e é quem tem sustentado as negociações com o Fundo Monetário Internacional.

Agora, apesar da reivindicação da “candidatura de unidade”, a UxP ainda assim realizará primárias. O dirigente social e sindicalista Juan Grabois postulou ao pleito. Embora tenha surgido como um esquerdista não kirchnerista, hoje afirma ser um representante do kirchnerismo mais radical.

Grabois e sua “Frente Patria Grande” representam a ala mais dura da coalizão: as organizações sociais, setor que jamais aceitaria o desmonte do estado como saída para crise. O próprio Grabois foi o fundador da Confederação dos Trabalhadores da Economia Popular e do Movimento dos Trabalhadores Excluídos.

Por que permitir então as primárias com Grabois? Além do fato de não terem como impedi-lo legalmente, Grabois tem um eleitorado que jamais votariam em Massa. Assim ele traz mais musculatura a coalizão nas primária, e não permite que seu eleitorado migre para as candidaturas mais a esquerda.

Assim, o principal para UxP antes da ratificação, Massa interessa em ser o candidato mais votado em nível nacional (e provavelmente será) e Grabois funcionaria como um “prêmio de consolação” para que o duro do Kirchnerismo não fuja.

No entanto, a corrida eleitoral está cheia de desafios ao UxP. O panorama nacional é desanimador, e o territorial (até então algo onde o peronismo estava confortável) também é desanimador. O JxC já arrebatou três províncias do partido no poder, e tudo indica que poderá ganhar mais três ou quatro.

É assim que o peronismo chega a uma eleição crítica, que pode reconfigurar o cenário político da Argentina. Podendo chegar a ser seu período mais enfraquecido ou o início da reconfiguração de sua liderança.

Resumo

Maior parte do fio e das informações reuni do estudante de Ciência política da UBA, o Argentino Felipe Galli. Tomei a liberdade de traduzir e adaptar algumas coisas para facilitar o entendimento no nosso contexto, também acrescentei algumas informações para enriquecer o debate.

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@Boatos

O início do fim

Espero que a direita perca

O textão

Parece os folhetos dos partidecos comunista que entregam… NINGUÉM LÊ

O textão amore kkkkk vou le quando sair o podcast

O tópico perfeito amg, surrou por informar a BC com verdade e latinidade.

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Vc foi cirúrgica

Que deus salve Argentina, só um milagre mesmo kkk

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Patricia Bullrich vai acabar sendo eleita, e vai ser uma Macri 2.0. Eleição que vem o peronismo volta ao poder

Argentinos odeiam esse filme

Se a gente acha que o Brasil ta ruim, imagina lá

Brasil sonha com a organização social e de sindicatos que tem a Argentina

Mas só isso mesmo, o resto eles que sonham com a gente

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Lerei! Obrigado pelo especial!

Tenho curiosidade do cenário político lá

@Laura estarei em BA mês q vem, ansioso kkkkk

Aproveite o esferalmento do peso com as eleições e compre bastante vinho

Pior que estarei indo em um vinhedo mesmo, no Gamboa, uma exp gastronomica com harmonização de vinho e tudo kkkk

Eu estive lá essa semana, imagino que vai gostar bastante.
Palermo e Recoleta pisam muito em qualquer lugar do Brasil kkk

Estarei hospedado no bairro Recoleta

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